Novas orientações surgem após cimeira mundial que decorreu em fevereiro, responsabilizando bispos e instituindo obrigatoriedade de comunicação de caso
O Papa determinou que todas as dioceses católicas devem criar estruturas para receber denúncias de eventuais casos de abusos sexuais, até 2020, falando nas “lições amargas do passado”.
Francisco ordena, num documento divulgado esta manhã pelo Vaticano, que as dioceses ou as eparquias (divisão administrativa das Igrejas católicas orientais), “individualmente ou em conjunto”, estabeleçam no prazo de um ano “um ou mais sistemas estáveis e facilmente acessíveis ao público, para apresentar as denúncias”.
Estas normas aplicam-se “sem prejuízo dos direitos e obrigações estabelecidos em cada local pelas leis estatais”, assinala o Papa, em particular no que diz respeito a “eventuais obrigações de denúncias às autoridades civis competentes”.
Francisco institui uma “obrigação” de denúncia, aos membros do clero e institutos religiosos, sempre que alguém “saiba ou tenha fundados motivos para supor” que foi praticado algum dos crimes referidos.
Com este decreto, o Papa estabelece que a denúncia de abusos na Igreja “não constitui uma violação do sigilo profissional” e proíbe “danos, retaliações ou discriminações” contra quem apresenta a mesma, bem como a imposição de “qualquer ónus de silêncio”.
“É bom que se adotem, a nível universal, procedimentos tendentes a prevenir e enfrentar estes crimes que atraiçoam a confiança dos fiéis”, assume o pontífice, no ‘Motu Proprio’ (documento de sua iniciativa pessoal) ‘Vos estis lux mundi’ (Vós sois a luz do mundo).
Em causa estão denúncias (“assinalações”, na tradução oficial da Santa Sé) relativas a clérigos ou a membros de Institutos de Vida Consagrada ou de Sociedades de Vida Apostólica que sejam acusados de forçar atos sexuais com um menor ou com uma pessoa vulnerável, bem como de posse de “material pornográfico infantil”.
O Papa aponta ainda à responsabilidade de bispos que sejam acusados de “ações ou omissões” que visem interferir ou contornar as investigações civis, canónicas, administrativas ou criminais nestes casos.
A nova carta apostólica surge na sequência da cimeira que Francisco convocou em fevereiro, reunindo no Vaticano os presidentes das conferências episcopais de todo o mundo e responsáveis de Institutos Religiosos e da Cúria Romana, para debater medidas de proteção a menores na Igreja Católica.
No caso de a suspeita recair sobre um bispo, a denúncia pode ser dirigida à Santa Sé, diretamente ou através do representante pontifício (por norma, o núncio apostólico) no território.
As normas exigem uma “cuidadosa avaliação dos factos”, sublinhando a necessidade de “acolhimento, escuta e acompanhamento” das pessoas que se apresentam como vítimas de abusos, junto dos responsáveis católicos.A não ser que a denúncia se revele “claramente infundada”, o metropolita solicita ao organismo da Cúria Romana competente o encargo para iniciar a investigação, respondendo no prazo máximo de 30 dias com instruções sobre a forma de proceder.
O Papa precisa que esta ajuda deve incluir assistência espiritual, médica, terapêutica e psicológica, garantindo ainda a “confidencialidade dos dados pessoais” e o respeito pela “presunção de inocência”.
O novo texto prevê a “intervenção de pessoas qualificadas” na investigação, conforme as necessidades do caso, estipulando-se que a mesma seja concluída “no prazo de 90 dias”
O responsável pode propor aos organismos de governo central da Santa Sé a “adoção de disposições ou de medidas cautelares” apropriadas contra o investigado.
As províncias eclesiásticas e conferências episcopais, bem como as estruturas equiparáveis nas comunidades de ritos orientais, podem estabelecer um fundo destinado a “sustentar as despesas com as investigações”.
Estas normas são aprovadas, de forma experimental, por um triénio e entram em vigor no dia 1 de junho de 2019.
No início de maio, os bispos das dioceses católicas portuguesas assumiram em Fátima o compromisso de criar estruturas de “prevenção e acompanhamento” para a proteção de menores, em casos de abusos sexuais.
Os procedimentos canónicos atualmente implementados pela Conferência Episcopal Portuguesa, que vão ser revistos, preveem que, sempre que houver denúncia ou “qualquer suspeita fundada” de abusos sexuais por parte de um clérigo em relação a um menor, o bispo responsável deve proceder à investigação prévia.
(Com Ecclesia)