Primeiras palavras do Papa em solo português desafiam a um novo rumo para a Europa, perante a guerra na Ucrânia e a crise migratória; elogiam dinamismo juvenil, simbolizado pela JMJ, com os olhos postos no futuro e alertam para a crise ambiental, denunciando as “lixeiras de plástico” que se acumulam nos oceanos
O Papa Francisco chegou hoje a Lisboa às 9h44, hora de Lisboa (menos uma nos Açores), com o avião a aterrar no aeroporto militar de Figo Maduro, para participar na Jornada Mundial da Juventude.
O avião entrou em espaço aéreo português às 09:12 e foi escoltado por dois caças F-16 até chegar à base de Figo Maduro, em Lisboa, onde aterrou.
Francisco saiu em cadeira de rodas e à sua espera estava o Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa com duas crianças que lhe entregaram um ramo de flores.
Saindo do Aeroporto Internacional de Fiumicino, em Roma, manifestou a sua “alegria” por se encontrar com jovens de todo o mundo, na JMJ Lisboa 2023.
Francisco partiu às 7h16 de Roma, no voo AZ4000, com destino a Lisboa, iniciando a sua segunda visita a Portugal, para participar na Jornada Mundial da Juventude, que se inaugurou esta terça-feira.
O Papa, como é tradição, enviou telegramas aos chefes de Estado sobrevoados durante a viagem: Emmanuel Macron, presidente francês, e Filipe VI, rei de Espanha.
Antes de deixar o Vaticano, o Papa Francisco encontrou-se com uma quinzena de pessoas na Casa de Santa Marta, entre as quais alguns jovens que “estão a viver um período numa comunidade de recuperação e que estão impossibilitados de participar na Jornada Mundial da Juventude”, acompanhados por tês avós com os seus netos.
“Este encontro, como a Jornada Mundial dos Avós e dos Idosos, celebrada recentemente, sublinha o vínculo entre gerações que podem apoiar-se reciprocamente e aprender uns com os outros”, refere o comunicado divulgado esta manhã pela Sala de Imprensa da Santa Sé.
O primeiro encontro em Portugal foi com o presidente da República, no Palácio de Belém, seguindo-se depois o encontro com as designadas autoridades civis, culturais e empresarias de Portugal no Centro Cultural de Belém.
Nesta primeira intervenção, o Papa pediu a definição de um novo rumo para a Europa, perante a guerra na Ucrânia e a crise migratória no continente.
“Olhando com grande afeto para a Europa, no espírito de diálogo que a carateriza, apetece perguntar-lhe: para onde navegas, se não ofereces percursos de paz, vias inovadoras para acabar com a guerra na Ucrânia e com tantos conflitos que ensanguentam o mundo?”, questionou, no primeiro discurso da sua viagem de cinco dias a Portugal.
Francisco falava no Centro Cultural de Belém, perante autoridades políticas, representantes da sociedade civil e membros do corpo diplomático.
A intervenção deixou críticas ao investimento em armamentos, que considerou um “empobrecimento do verdadeiro capital humano que é a educação, a saúde, o estado social”.
“Fica-se preocupado ao ler que, em muitos lugares, se investem continuamente os recursos em armas e não no futuro dos filhos”, apontou.
Sonho com uma Europa, coração do Ocidente, que use o seu engenho para apagar focos de guerra e acender luzes de esperança; uma Europa que saiba reencontrar o seu ânimo jovem, sonhando a grandeza do conjunto e indo além das necessidades imediatas; uma Europa que inclua povos e pessoas, sem correr atrás de teorias e colonizações ideológicas”.
O Papa apelou à defesa da vida humana, com referências à legalização do aborto e da eutanásia, bem como à crise migratória e ao “desamparo em que são deixadas muitas famílias”.
“Para onde vais [Europa] se, perante o tormento de viver, te limitas a oferecer remédios rápidos e errados como o fácil acesso à morte, solução cómoda que parece doce, mas na realidade é mais amarga que as águas do mar?”, referiu.
Francisco aludiu à assinatura do Tratado de Lisboa, em 2007, para falar do “sonho europeu dum multilateralismo mais amplo do que o mero contexto ocidental”.
“Lisboa constitui a capital mais ocidental da Europa continental, lembrando a necessidade de abrir caminhos de encontro mais vastos, como aliás Portugal está a fazer, sobretudo com os países de outros continentes irmanados pela mesma língua”, apontou.
“Espero que a Jornada Mundial da Juventude seja, para o velho continente, um impulso de abertura universal. Na verdade, o mundo tem necessidade da Europa, da Europa verdadeira: precisa do seu papel de construtora de pontes e de pacificadora no Leste europeu, no Mediterrâneo, na África e no Médio Oriente”, disse o Papa num discurso onde elogiou o dinamismo juvenil e denunciou a crise ambiental.
“Os oceanos aquecem e, das suas profundezas, sobe à superfície a torpeza com que poluímos a nossa casa comum. Estamos a transformar as grandes reservas de vida em lixeiras de plástico”, disse, no primeiro discurso da sua viagem de cinco dias, perante responsáveis políticos, representantes da sociedade civil e membros do corpo diplomático.
Falando no Centro Cultural de Belém, Francisco começou por elogiar os esforços “exemplares” que Portugal partilha com a Europa, na defesa do ambiente, mas sustentou que “o problema global continua extremamente grave”.
“Como podemos dizer que acreditamos nos jovens, se não lhes dermos um espaço sadio para construir o seu futuro?”, questionou, evocando um dos temas que marca a Jornada Mundial da Juventude 2023, que se iniciou esta terça-feira.
Parece que as injustiças planetárias, as guerras, as crises climáticas e migratórias correm mais rapidamente do que a capacidade e, muitas vezes, a vontade de enfrentar em conjunto tais desafios”.
O Papa apontou ao futuro como um “estaleiro de obras” em que os jovens devem ser protagonistas, lamentando os problemas que afetam as novas gerações, como “a falta de trabalho, os ritmos frenéticos em que se veem imersos, o aumento do custo de vida, a dificuldade de encontrar uma casa e, ainda mais preocupante, o medo de constituir família e trazer filhos ao mundo”.
“Na Europa e em geral no Ocidente, assiste-se a uma triste fase descendente na curva demográfica”, acrescentou.
Francisco defendeu uma “boa política”, que seja capaz de oferecer esperança às pessoas, e “corrigir os desequilíbrios económicos dum mercado que produz riquezas, mas não as distribui”.
O discurso, com várias referências à cultura portuguesa, usou o conceito de “saudade” para sublinhar a importância do diálogo entre gerações, também nos projetos educativos.
Apontando à JMJ, onde se reúnem centenas de milhares de jovens dos cinco continentes, o Papa falou em motivos para a esperança.
“Há uma maré de jovens que se espraia sobre esta cidade acolhedora. Quero agradecer o grande trabalho e generoso empenho empreendidos por Portugal para acolher um evento tão complexo de gerir, mas fecundo de esperança”, declarou.
Não andam pelas ruas a gritar sua raiva, mas a partilhar a esperança do Evangelho. E se, em muitos lugares, se respira hoje um clima de protesto e insatisfação, terreno fértil para populismos e conspirações, a Jornada Mundial da Juventude é ocasião para construir juntos”.
Em conclusão, Francisco pediu que todos trabalhem com criatividade, a partir de “três estaleiros de construção da esperança”: o ambiente, o futuro, a fraternidade.
A visita de cinco dias do Papa constitui a mais longa das viagens papais a Portugal, até hoje.
Em maio de 2017, Francisco tornou-se o quarto Papa a visitar Portugal, depois de Paulo VI (13 de maio de 1967), João Paulo II (12-15 de maio de 1982; 10-13 de maio de 1991; 12-13 de maio de 2000) e Bento XVI (11-14 de maio de 2010); São João Paulo II cumpriu ainda uma escala técnica no Aeroporto de Lisboa (2 de março de 1983), a caminho da América Central.
Desde a sua eleição pontifícia, em 2013, Francisco visitou 60 países: Brasil, Jordânia, Israel, Palestina, Coreia do Sul, Turquia, Sri Lanka, Filipinas, Equador, Bolívia, Paraguai, Cuba, Estados Unidos da América, Quénia, Uganda, República Centro-Africana, México, Arménia, Polónia, Geórgia, Azerbaijão, Suécia, Egito, Portugal, Colômbia, Mianmar, Bangladesh, Chile, Perú, Bélgica, Irlanda, Lituânia, Estónia, Letónia, Panamá, Emirados Árabes Unidos, Marrocos, Bulgária, Macedónia do Norte, Roménia, Moçambique, Madagáscar, Maurícia, Tailândia, Japão, Iraque, Eslováquia, Chipre, Grécia (após ter estado anteriormente em Lesbos), Malta, Canadá, Cazaquistão, Barém, República Democrática do Congo, Sudão do Sul e Hungria; Estrasburgo (França) – onde esteve no Parlamento Europeu e o Conselho da Europa -, Tirana (Albânia), Sarajevo (Bósnia-Herzegovina) e Genebra (Suíça).
(Com Ecclesia e Lusa)