Francisco lança forte apelo desde África por um novo modelo de desenvolvimento
O Papa afirmou hoje em Nairobi que um eventual fracasso na próxima Conferência da ONU sobre Alterações Climáticas seria “catastrófico” para a humanidade.
“Seria triste e – atrevo-me a dizer – até catastrófico se os interesses particulares prevalecessem sobre o bem comum e chegassem a manipular as informações para proteger os seus projetos”, advertiu, no escritório da ONU na capital do Quénia(UNON), perante Achim Steiner, diretor-executivo do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, e centenas de outros convidados.
A 21.ª Conferência da ONU sobre Alterações Climáticas (COP 21) vai decorrer entre dia 30 de novembro e 11 de dezembro em Paris, procurando alcançar na capital francesa um acordo mundial sobre metas vinculativas de redução de emissões de gases com efeito de estufa para substituir o Protocolo de Quioto e limitar o aumento médio da temperatura global em 2º.
“Espero que a COP21 leve à conclusão dum acordo global e «transformador», baseado nos princípios de solidariedade, justiça, equidade e participação”, pediu Francisco, para quem este grande encontro deve “promover a redução do impacto das alterações climáticas, a luta contra a pobreza e o respeito pela dignidade humana”.
O Papa sustentou que a COP21 “é um passo importante no processo de desenvolvimento dum novo sistema energético” que dependa o “mínimo possível” dos combustíveis fósseis, e se estruture sobre o uso de energia “com baixo ou nulo conteúdo de carbono”.
“Estamos perante o grande compromisso político e económico de reconsiderar e corrigir as falhas e distorções no modelo atual de desenvolvimento”, observou.
Francisco citou várias passagens da sua encíclica ‘Laudato si’, dedicada às questões ecológicas, depois de, simbolicamente, ter sido convidado a plantar uma árvore no parque do Centro das Nações Unidas.
“Plantar uma árvore é, em primeiro lugar, um convite a perseverar na luta contra fenómenos como a desflorestação e a desertificação”, explicou.
O Papa desafiou os responsáveis internacionais a “inverter todas as situações de injustiça e deterioração”, referindo que “as mudanças climáticas são um problema global com graves implicações”, constituindo atualmente “um dos principais desafios para a humanidade”.
Francisco defende um diálogo “sincero e franco”, com a colaboração de autoridades políticas, comunidade científica, empresas e sociedade civil, para promover uma “mudança de rumo” e um “novo estilo cultural”.
“Não se trata duma utopia fantasista, antes pelo contrário é uma perspetiva realista que coloca a pessoa e a sua dignidade como ponto de partida”, prosseguiu.
O Papa criticou os “ídolos do lucro e do consumo” e a “globalização da indiferença” perante a exclusão social, novas formas de escravidão, o tráfico de pessoas, o trabalho forçado, a prostituição ou o tráfico de órgãos, bem como o aumento de emigrantes em fuga da “miséria agravada pela degradação ambiental” que não são reconhecidos como refugiados.
“São muitas vidas, muitas histórias, muitos sonhos que naufragam nos nossos dias. Não podemos ficar indiferentes perante isto. Não temos esse direito”, alertou.
Este foi o último compromisso público do segundo dia da viagem ao Quénia de Francisco, que esta sexta-feira visita um bairro de lata antes de rumar ao Uganda.
Para trás tinham ficado alguns recados para dentro da igreja.
Depois de um encontro, em Nairobi, com membros do clero e de institutos de Vida Consagrada presentes no Quénia, Francisco alertou alertou para o perigo de quem segue a vida religiosa “por interesse”.
Num discurso improvisado, Francisco avisou os presentes para a “tentação de seguir Cristo pela ambição do dinheiro e do podre”.
“Na vida do seguimento de Jesus, não há lugar para a própria ambição, para as riquezas, para ser uma pessoa importante no mundo”, sustentou.
Perante centenas de pessoas reunidas numa grande tenda, ao abrigo da chuva que tem caído sobre a capital queniana, o Papa sublinhou que a missão dos padres, religiosos e religiosas é “servir o povo de Deus, os mais pobres, os mais descartados”, com atenção às crianças e idosos, também “às pessoas que não têm consciência da soberba e do pecado que existe dentro de si”.
“A Igreja não é uma empresa, não é uma ONG. A Igreja é um mistério, é o mistério do olhar de Jesus sobre cada um”, insistiu.
Durante a reunião na ‘St Mary’s School’, Francisco disse aos religiosos que “no seguimento de Jesus, no sacerdócio ou na vida consagrada, entra-se pela porta e essa porta é Jesus Cristo”.
Aquele que entrou “pela janela”, acrescentou, é melhor que “vá embora” e procure servir Deus de outra maneira.
“Quando Jesus nos escolhe, não nos canoniza, continuamos a ser os mesmos pecadores”, afirmou depois.
Para o Papa, é preciso que os que dedicam a sua vida a Deus “nunca deixem de chorar”, pela “própria infidelidade, pela dor do mundo, pelas pessoas descartadas, pelos velhinhos abandonados, pelas crianças assassinadas”.
“Se um consagrado deixa a oração, a alma seca”, alertou ainda.
A intervenção sublinhou a importância de discernir a própria vocação e chegou mesmo a convidar os seminaristas que não sentem capacidade se seguir esse caminho a formar “uma boa família”.
Antes de deixar o local, Francisco voltou atrás para explicar que iria sair por outra porta, a fim de poder cumprimentar crianças com cancro que estavam à sua espera.
CR/Ecclesia