O Papa denunciou hoje as lógicas globais de guerra e a indiferença perante o sofrimento humano, numa conversa de cerca de uma hora emitida hoje no programa ‘Che tempo che fa’, da Rai3, na Itália.
“Num ano sem produzir armas, seria possível dar de comer e educação a todo o mundo, de modo gratuito. Mas isso está em segundo plano”, referiu, em ligação desde a Casa de Santa Marta, onde reside, considerando que as pessoas estão em segundo lugar, face às tendências bélicas.
Francisco disse que a guerra é “um contrassenso”, uma “mecânica de destruição”, que contradiz a dignidade humana.
“Há quanto tempo sofre o Iémen com a guerra e há quanto tempo se fala nas crianças do Iémen?”, questionou.
O Papa sustentou que, no “imaginário universal”, o que conta é “a guerra, a venda das armas”.
A conversa começou por evocar a recente notícia da morte de 12 migrantes, na fronteira entre a Grécia e a Turquia, por causa do frio, falando num sinal da “cultura da indiferença”.
Francisco criticou o tratamento “criminoso” que é reservado a muitos migrantes, afirmando que alguns dos presos na Líbia, por exemplo, vivem em autênticos “lager”, lugares de tortura.
“Quanto sofrem, às mãos dos traficantes, aqueles que querem fugir”, lamentou.
O Papa pediu que a União Europeia chegue a acordo, nesta matéria, com “equilíbrio” e sem sobrecarregar países como a Itália ou a Espanha, convidando a uma reflexão sobre o facto de o Mediterrâneo ser hoje “o maior cemitério” do continente.
A entrevista aludiu às desigualdades que persistem no mundo, sem que os problemas de milhões de pessoas comovam quem vive em países mais desenvolvidos.
Falta-nos tocar as misérias, tocar leva-nos ao heroísmo. Penso nos médicos, enfermeiros e enfermeiras que deram a vida nesta pandemia: tocaram o mal e escolheram ficar ali com os doentes”.
Francisco reforçou a sua preocupação com os problemas ambientais, como o desmatamento na Amazónia, alertando para a “morte da biodiversidade”.
Além da salvaguarda da natureza, a conversa falou da relação entre pais e filhos, sobre o sentido do mal, a oração, a amizade ou o futuro da Igreja, que considerou ameaçada pelo “clericalismo” e a rigidez ideológica.
O Papa falou de questões mais pessoais, voltando a explicar a decisão de viver na Casa de Santa Marta, uma residência do Vaticano, em vez do apartamento pontifício, no Palácio Apostólico.
“Preciso de relações humanas, por isso moro nesta residência de Santa Marta onde há gente que conversa com todo mundo, encontras amigos. É uma vida mais fácil para mim, não tenho vontade de fazer de outro modo, não tenho forças e as amizades dão-me força. Aliás, preciso de amigos, são poucos, são poucos mas verdadeiros”, confessou.
(Com Ecclesia)