Francisco aborda consequências da crise económica, da pobreza e do egoísmo na primeira mensagem para o Dia Mundial da Paz.
O Papa denunciou hoje as consequências da “tragédia da exploração do trabalho” e das “guerras” económico-financeiras, na mensagem para o Dia Mundial da Paz 2014, dedicada ao tema ‘Fraternidade, fundamento e caminho para a paz’.
“Penso nos tráficos ilícitos de dinheiro como também na especulação financeira que, muitas vezes, assume expressões predadoras e nocivas para sistemas económicos e sociais inteiros, lançando na pobreza milhões de homens e mulheres”, escreve Francisco, num documento divulgado pela Santa Sé.
Nesse contexto, o Papa fala em “guerras menos visíveis, mas não menos cruéis” do que os conflitos armados, que acontecem “nos campos económico e financeiro com meios igualmente demolidores de vidas, de famílias, de empresas”.
A primeira mensagem do atual pontificado para esta celebração anual promovida pela Igreja Católica aponta o dedo a “inúmeras situações de desigualdade, pobreza e injustiça”, considerando que elas “indicam não só uma profunda carência de fraternidade mas também a ausência duma cultura de solidariedade”.
“As novas ideologias, caraterizadas por generalizado individualismo, egocentrismo e consumismo materialista, debilitam os laços sociais, alimentando aquela mentalidade do ‘descartável’ que induz ao desprezo e abandono dos mais fracos, daqueles que são considerados ‘inúteis’, lamenta o Papa.
Francisco alerta para o aumento de um relacionamento humano “pragmático e egoísta”, em que cada um se deixa guiar pela “avidez do lucro” e pela “sede do poder”.
“É necessário encontrar o modo para que todos possam beneficiar dos frutos da terra, não só para evitar que se alargue o fosso entre aqueles que têm mais e os que devem contentar-se com as migalhas, mas também e sobretudo por uma exigência de justiça e equidade e de respeito por cada ser humano”, sustenta.
Por isso, o Santo Padre, apela à “redescoberta da fraternidade” na economia e à mudança de “estilos de vida”.
“As sucessivas crises económicas devem levar a repensar adequadamente os modelos de desenvolvimento económico e a mudar os estilos de vida”, refere o documento, divulgado pela Santa Sé.
Francisco considera que as “graves crises financeiras e económicas” da atualidade têm a sua origem no “progressivo afastamento do homem de Deus e do próximo, com a ambição desmedida de bens materiais” e o “empobrecimento das relações interpessoais e comunitárias”.
O Papa admite que se verifica uma redução da “pobreza absoluta”, no mundo de hoje, mas recorda o “grave aumento da pobreza relativa, isto é, de desigualdades entre pessoas e grupos que convivem numa região específica ou num determinado contexto histórico-cultural”.
“São necessárias políticas eficazes que promovam o princípio da fraternidade, garantindo às pessoas – iguais na sua dignidade e nos seus direitos fundamentais – acesso aos ‘capitais’, aos serviços, aos recursos educativos, sanitários e tecnológicos, para que cada uma delas tenha oportunidade de exprimir e realizar o seu projeto de vida”, observa.
Francisco defende ainda a necessidade de políticas que sirvam para “atenuar a excessiva desigualdade de rendimentos”.
O texto refere-se ao “dever de solidariedade, que exige que as nações ricas ajudem as menos avançadas”, ao “dever de justiça social, que requer a reformulação em termos mais corretos das relações defeituosas entre povos fortes e povos fracos” e o dever de “caridade universal”, que implica “a promoção de um mundo mais humano para todos”.
O Papa espera que a atual crise, “com pesadas consequências na vida das pessoas”, possa ser também uma ocasião para “recuperar as virtudes da prudência, temperança, justiça e fortaleza”.
Francisco deixa votos de que estas virtudes levem as pessoas a construir uma sociedade “à medida da dignidade humana”.
“Em muitas sociedades, sentimos uma profunda pobreza relacional, devido à carência de sólidas relações familiares e comunitárias; assistimos, preocupados, ao crescimento de diferentes tipos de carências, marginalização, solidão e de várias formas de dependência patológica”, alerta.
Segundo o Papa, esta pobreza apenas pode ser superada através da “redescoberta e valorização de relações fraternas no seio das famílias e das comunidades”, bem como do “desapego vivido por quem escolhe estilos de vida sóbrios e essenciais”.
A mensagem alude à “corrupção que hoje se difunde de maneira capilar”, pedindo à comunidade política para “agir de forma transparente e responsável”.
“A fraternidade gera paz social, porque cria um equilíbrio entre liberdade e justiça, entre responsabilidade pessoal e solidariedade”, frisa.
O documento reforça, ainda, os apelos papais em favor de um compromisso global contra a fome.
“É mais que sabido que a produção atual é suficiente e todavia há milhões de pessoas que sofrem e morrem de fome, o que constitui um verdadeiro escândalo”, insiste Francisco.
O Dia Mundial da Paz começou a ser celebrado anualmente a 1 de janeiro durante o pontificado do Papa Paulo VI, em 1968, e a mensagem para esta jornada é enviada às dioceses e às embaixadas de todo o mundo.