Igreja Católica passa a disponibilizar às autoridades civis testemunhos dos processos canónicos
O Papa Francisco decidiu abolir o segredo pontifício nos casos de violência sexual e de abuso de menores cometidos por clérigos, num decreto publicado hoje pelo Vaticano.
A decisão é acompanhada por outro decreto, que altera a norma relativa ao crime de pornografia infantil – inserido na categoria de ‘delicta graviora’, os crimes mais graves, no direito canónico-, à posse e difusão de imagens pornográficas, fazendo agora referência a menores de 18 anos de idade, em vez dos 14 anos, como acontecia até agora.
Um “rescrito” assinado pelo cardeal Pietro Parolin, Secretário de Estado do Vaticano, comunica que no último dia 4 de dezembro o Papa decidiu abolir o segredo pontifício sobre denúncias, processos e decisões relativas aos crimes mencionados no primeiro artigo do recente motu proprio “Vos estis lux mundi“, ou seja: casos de violência e de atos sexuais cometidos sob ameaça ou abuso de autoridade; casos de abuso de menores e de pessoas vulneráveis; casos de pornografia infantil; casos de não denúncia e cobertura dos abusadores, por parte de bispos e superiores gerais de institutos religiosos.
A nova instrução, adianta o Vaticano, especifica que “as informações devem ser tratadas de modo a garantir a segurança, a integridade e a confidencialidade”, conforme estabelecido no Código de Direito Canónico para tutelar “o bom nome, a imagem e a privacidade” das pessoas envolvidas.
Este “sigilo profissional”, lê-se na instrução, “não impede o cumprimento das obrigações estabelecidas em todos os lugares pelas leis estatais”, incluindo quaisquer obrigações de denúncia, “bem como a execução dos pedidos executivos das autoridades judiciais civis”.
As novas normas determinam que “não pode ser imposto algum vínculo de silêncio” às vítimas e às testemunhas.
O segundo rescrito, assinado pelo cardeal Parolin e pelo prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé (Santa Sé), cardeal Luis Ladaria Ferrer, apresenta modificações a três artigos do motu proprio “Sacramentorum sanctitatis tutela” (de 2001, modificado em 2010 no pontificado de Bento XVI).
Além da mudança da idade para a definição de pornografia infantil, o Papa Francisco estabelece que, nos casos relativos a estes crimes mais graves, o papel de “advogado e procurador” também possa ser desempenhado por fiéis leigos, com doutoramento em Direito Canónico, e não apenas por sacerdotes.
Em fevereiro deste ano, o Papa apresentou no Vaticano um ‘roteiro’, em oito passos, para orientar o combate aos abusos sexuais na Igreja Católica, após uma cimeira global de quatro dias com responsáveis de episcopados e institutos religiosos.
“Nenhum abuso deve jamais ser encoberto (como era habitual no passado) e subestimado, pois a cobertura dos abusos favorece a propagação do mal e eleva o nível do escândalo”, referiu, no discurso conclusivo do evento, após a Missa celebrada na sala régia do Palácio apostólico.
O Papa falava perante os 190 participantes no final encontro sobre proteção de menores, que reuniu presidentes de Conferências Episcopais e chefes de Igrejas Orientais, superiores gerais de institutos religiosos, membros da Cúria Romana e do Conselho de Cardeais.
Francisco citou as ‘Boas Práticas’ formuladas, sob orientação da Organização Mundial da Saúde, para acabar com a violência contra as crianças, e do recente percurso legislativo da Igreja Católica.
O Papa determinou então que o crime de aquisição, posse ou divulgação de imagens pornográficas com menores de idade, inserido em 2010 entre os “delitos mais graves” para os membros do clero, no Direito Canónico, deixasse de fazer referência a “menores de 14 anos”, para “insistir na gravidade destes factos”.
Em entrevista ao portal do Vaticano, o arcebispo Charles Scicluna – secretário-adjunto da Congregação para a Doutrina da Fé e um dos principais colaboradores do Papa no combate aos abusos sexuais – fala numa “escolha histórica”, ajudando a que seja dada informação correta “à vítima e às comunidades”.
“É facilitada a possibilidade de uma colaboração mais concreta com o Estado, no sentido em que a diocese que tem a documentação já não está vinculada ao segredo pontifício e pode decidir – como deve – colaborar, transmitindo uma cópia da documentação também às autoridades civis”, exemplifica.
A lei do Vaticano para a proteção de menores e pessoas vulneráveis determina a obrigatoriedade de denúncia de casos de abusos, excetuando as situações ligadas ao “sigilo sacramental”, o chamado segredo de Confissão.
(Com Ecclesia)