Francisco encerra primeiro dia de viagem, com encontro de oração no Mosteiro dos Jerónimos, com uma intervenção mais virada para o interior da Igreja
O papa encerrou o primeiro dia da viagem a Portugal com uma oração no Mosteiro dos Jerónimos, evocando os “escândalos” que afetam a Igreja Católica e o “sofrimento” das vítimas.
“Às vezes o nosso mau testemunho e os escândalos desfiguraram o seu rosto (da Igreja) e chamam-nos a uma humilde e constante purificação, partindo do grito de sofrimento das vítimas, que se devem sempre acolher e escutar”, disse Francisco, num encontro com bispos, membros do clero e de Institutos de Vida Consagrada, seminaristas e agentes de pastoral da Igreja Católica.
A segunda intervenção da viagem do Papa abordou um aumento da “indiferença” e um “progressivo afastamento da prática da fé”.
“Isto vê-se, com frequência, acentuado pela desilusão e a aversão (rabia, no original espanhol) que alguns nutrem face à Igreja” indicou o pontífice.
Perante os principais responsáveis da Igreja Católica em Portugal, Francisco sublinhou a necessidade de anunciar a fé “no meio da gente”, como Jesus.
“Cristo está interessado em fazer sentir a proximidade de Deus precisamente nos lugares e situações onde as pessoas vivem, lutam, esperam, às vezes colecionando nas suas mãos fracassos e insucessos”, precisou.
O discurso falou de um “cansaço” na vida eclesial, convidando a confiar em Jesus para “enfrentar as situações pastorais e espirituais” e “experimentar novos caminhos a seguir”.
“Estou feliz por me encontrar no meio de vós não só para viver, juntamente com muitos jovens, a Jornada Mundial da Juventude, mas também para partilhar o vosso caminho eclesial com as suas canseiras e esperanças”, declarou.
“Mergulhei na beleza do vosso país, terra de passagem entre o passado e o futuro, local de antigas tradições e de grandes mudanças, embelezado por vales viçosos e praias douradas debruçadas sobre o imenso e fascinante oceano, que banha Portugal”, disse ainda.
No entanto, apesar das referências elogiosas, o Papa não deixou de ser incisivo também para com a Igreja pedindo “humildade” e um “lugar para todos”.
“Na barca da Igreja, deve haver lugar para todos: todos os batizados são chamados a subir para ela e lançar as redes, empenhando-se pessoalmente no anúncio do Evangelho”, referiu Francisco, na homilia da oração de Vésperas a que presidiu esta tarde, perante bispos, membros do clero e Institutos de Vida Consagrada, seminaristas e agentes pastorais.
O pontífice pediu que “todos, todos” sejam envolvidos na vida da Igreja, sem criar “alfândegas”.
“Não transformem a Igreja numa alfândega: ‘aqui entram os justos, os que estão bem, os que estão bem casados, e os outros todos fora’. Não, a Igreja não é isso: justos e pecadores, bons e maus, todos, todos, todos”, insistiu.
Citando Fernando Pessoa pela segunda vez consecutiva, nas duas intervenções – “Para se chegar ao infinito, e julgo que se pode lá chegar, é preciso termos um porto, um só, firme, e partir dali para Indefinido” (Livro do Desassossego) – o pontífice convidou todos a “sonhar a Igreja Portuguesa como um ‘porto seguro’, para quem enfrenta as travessias, os naufrágios e as tempestades da vida”.
A homilia alertou para o que o Papa designou de “funcionários do sagrado”.
“É muito triste quando uma pessoa que se consagrou a Deus se transforma num funcionário”, observou.
O Papa defendeu uma Igreja “sinodal”, com trabalho em comum, apontando à próxima Assembleia Geral do Sínodo, que decorre em outubro, no Vaticano.
“Podemos olhar para esta situação como uma ocasião para, com fraterno entusiasmo e sã criatividade pastoral, envolver os leigos”, pediu aos padres e consagrados presentes.
Francisco afirmou que os membros da Igreja devem olhar para fora dela, procurando cultivar “um clima de fraternidade construtiva”.
Num discurso em que aludiu à crise provocada pelos “escândalos” na Igreja, o Papa alertou para a perda de “entusiasmo” e de “confiança no futuro”, também na sociedade, marcada pela “precariedade económica, a pobreza de amizade social, a falta de esperança”.
A homilia destacou os desafios de “levar o acolhimento do Evangelho a uma sociedade multicultural”, com atenção às situações de precariedade e pobreza, “que crescem sobretudo entre os jovens”.
Francisco foi recebido no Mosteiro dos Jerónimos pelo cardeal-patriarca, D. Manuel Clemente, e o presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), D. José Ornelas.
O bispo de Leiria-Fátima dirigiu uma saudação ao Papa, no início do encontro de oração, evocando o percurso percorrido pela Igreja Católica em Portugal, no tema da proteção de menores.
“Continua a solicitar também a nossa atenção particular a defesa do bem das crianças e o compromisso de defendê-las de toda a espécie de abusos”, disse o presidente da CEP.
(Com Ecclesia e Lusa)