Francisco evoca vítimas mortais e defende preservação dos “valores democráticos”
O Papa apelou hoje à “reconciliação nacional” nos Estados Unidos da América, após a invasão do Capitólio, em Washington, na última quarta-feira, enquanto os membros do Congresso estavam reunidos para formalizar a vitória do presidente eleito, Joe Biden.
“Exorto as autoridades do Estado e toda a população a manter um alto sentido de responsabilidade, para que se voltem a serenar os ânimos, se promova a reconciliação nacional e tutelem os valores democráticos radicados na sociedade norte-americana”, declarou, após a recitação da oração do ângelus, na biblioteca do Palácio Apostólico do Vaticano, com transmissão online.
Francisco começou por dirigir uma “saudação afetuosa ao povo dos EUA, abalado pelo recente assalto ao Congresso”.
“Rezo pelos que perderam a vida, cinco pessoas, que a perderam naqueles momentos dramáticos”, acrescentou.
As vítimas foram quatro manifestantes e um polícia, que ficou ferido durante os confrontos e acabou por falecer.
“Repito que a violência é autodestrutiva, sempre, nada se ganha com a violência e tanto se perde”, declarou o Papa.
“Que a Virgem Imaculada, padroeira dos Estados Unidos da América, ajude a manter viva a cultura do encontro, a cultura do cuidado, como via mestra para construir juntos o bem comum. Que o faça com todos, com todos os que vivem nessa terra”, concluiu.
Já numa entrevista ao Canal 5 da televisão italiana, que vai ser emitida este domingo, Francisco afirmou-se “estupefacto” com a violência do assalto de apoiantes do presidente norte-americano, Donald Trump, ao edifício do Capitólio.
“Fiquei estupefacto, porque se trata de um povo disciplinado na democracia”, declarou.
O Papa assinalou que, mesmo em “ambientes mais evoluídos, há sempre algo que não está bem” e há pessoas que “enveredam por um caminho contra a comunidade, contra a democracia, contra o bem comum”.
“A violência certamente deve ser condenada, este movimento deve ser condenado, independentemente das pessoas; nenhum povo pode gabar-se de não ter tido um dia, um caso de violência”, afirmou.
A sessão no Capitólio viria a ser retomada, oficializando a vitória de Joe Biden, já na madrugada de quinta-feira.
Papa convida a valorizar «grandeza do quotidiano»
Entretanto, na celebração deste domingo em que a Igreja celebra o fim do tempo de Natal com a festa do Btismo do Senhor, o Papa pediu aos católicos que aprendam com Jesus a valorizar a “grandeza do quotidiano”, recordando que Cristo teve 30 anos de “vida oculta”.
“Impressiona que o Senhor tenha passado a maior parte do tempo na terra assim, vivendo a vida de todos os dias, sem aparecer”, observou, antes da recitação da oração do ângelus, na biblioteca do Palácio Apostólico, com transmissão online.
O Papa observou que, segundo os Evangelhos, Jesus teve “três anos de pregação, de milagres” e todos outros foram de vida “escondida”, em família – “primeiro alguns no Egito, como migrante, para fugir da perseguição de Herodes, e os outros em Nazaré, aprendendo a profissão de José”.
“É uma bela mensagem para nós: revela a grandeza do quotidiano, a importância de cada gesto e momento de vida aos olhos de Deus, mesmo o mais simples e escondido”, apontou.
Francisco abordou depois o momento do batismo de Jesus no Rio Jordão, com que começa a sua vida pública.
“Jesus certamente não precisava disso. Na verdade, João Batista tenta opor-se, mas Jesus insiste. Porquê? Porque ele quer estar com pecadores: por isso ele faz fila com eles e faz o mesmo gesto que eles. Fá-lo com a atitude do povo”, como diz um hino litúrgico, de “alma nua e pés descalços”, precisou.
O Papa considerou que “a proximidade é o estilo de Deus” na relação com a humanidade e que o Batismo de Jesus mostra a sua vontade de “mergulhar” na condição humana.
“No primeiro dia de seu ministério, Jesus nos oferece assim o seu manifesto programático: diz-nos que não nos salva desde cima, por decisão soberana ou por ato de força, um decreto, não, Ele salva-nos vindo ao nosso encontro e tomando sobre si os nossos pecados”, afirmou.
Francisco realçou que Deus se manifesta “quando a misericórdia aparece”.
“É também a maneira como podemos elevar os outros: não julgando, não sugerindo o que fazer, mas tornando-nos próximos, partilhando o sofrimento, compartilhando o amor de Deus”, sustentou.
“Isso também se aplica a nós: em cada gesto de serviço, em cada obra de misericórdia que fazemos, Deus manifesta-se, lança o seu olha sobre o mundo”, acrescentou.
O Papa defendeu que “a salvação é grátis, é um gesto gratuito de misericórdia de Deus”
“Os que não são batizados recebem a misericórdia de Deus, sempre, porque Deus está lá, espera que se abram as portas do coração, aproxima-se. Permitam-me que o diga: acaricia-nos com a sua misericórdia”, prosseguiu.
Após a oração, Francisco recordou que a tradicional celebração do Batismo do Senhor, na Capela Sistina, foi cancelada este ano devido à pandemia de Covid-19.
“Desejo assegurar a minha oração pelas crianças que estavam inscritas, pelos seus pais, padrinhos e madrinhas. Estendo-a a todas as crianças que, neste período, recebem o Batismo, recebem da identidade cristã, a graça do perdão, da redenção. Que Deus as abençoe a todas”, disse.
Em nota enviada aos jornalistas, a sala de imprensa da Santa Sé precisou que as crianças vão receber o sacramento do Batismo nas suas paróquias de origem.
Antes de despedir-se dos ouvintes que acompanharam a transmissão, Francisco aludiu ao início do Tempo Comum, no calendário litúrgico.
“Não paremos de invocar a luz e a força do Espírito Santo para que nos ajude a viver com amor as coisas ordinárias, e assim as tornemos extraordinárias. É o amor que transforma”, concluiu.