Império de São Carlos, com 202 anos, vive este fim de semana a sua festa com coroação e bodo
As festas de São Carlos na ilha Terceira, organizadas pelo Império de São Carlos, que celebra 202 anos, têm pela primeira vez como mordomo o sacerdote que lidera o curato, Cónego Adriano Borges.
O sacerdote é, de resto, o primeiro membro do clero a ser mordomo de um Império na ilha Terceira.
Historicamente, a hierarquia não via com bons olhos as relações entre a estrutura da igreja e as irmandandes. Recorde-se a título de exemplo a circular emitida depois da visita pastoral às ilhas do grupo ocidental, o bispo D. João Maria Pimentel, no Caminho de Baixo, em São Carlos de Angra, a 5 de setembro de 1876 ordenando os sacerdotes “que não se intrometessem nos negócios temporais das associações, nem se encarregassem ou tomassem parte na administração dos seus fundos ou rendimentos”.
Tensões que sempre prevaleceram mas que os últimos dois episcopados foram atenuando, especialmente no último episcopado de D.António de Sousa Braga, açoriano, natural de Santa Maria, onde se vivem estas festas de uma forma muito genuína.
As festas de São Carlos decorrem desde o passado dia 18 mas é, neste fim de semana, que se realiza a coroação e o bodo, com a Missa solene da festa a ser celebrada no domingo, com pregação do Pe Júlio Rocha.
Além da meditação diária do terço e de todo o programa religioso, as festas de São Carlos têm um programa sócio-recreativo, desde exposições de fotografia- São Carlos gentes e Tradições- ao lançamento de um livro- “Cantadores, tocadores e autores da Cantoria Açoriana”, de José Fonseca de Sousa- e as tradicionais touradas, sempre presentes nos impérios da Terceira.
A Irmandade do Divino Espírito Santo do lugar de S. Carlos constituiu-se na sequência de uma crise vulcânica que se desenvolveu em 1761 no interior da ilha, a última de grande dimensão, registada na Terceira e que se prolongou por vários meses, fazendo expelir lava em diversas direções, alterando a orografia de vastas áreas da ilha.
O povo invocou o Divino Espírito Santo e o fumo dissipou-se pouco depois. Facto que foi tomado como um milagre, assinalado pelos anos adiante com a instituição de uma Irmandade do Espírito Santo e a realização da festa do Império.
De acordo com relatos da altura, citados pela Página da Irmandade, a lava correu abundante pelas encostas, em três correntes. Uma dirigiu-se para os Biscoitos e apanhou o povo que subia ao interior da ilha, como uma coroa do Divino, em direção ao local da primeira explosão.
Ninguém foi apanhado por esta corrente que tinha cerca de uma légua de comprido e mil braças de largura. Soterrou 27 casas de moradia e cobriu grandes extensões de vinhas e pomares. A lava corria devagar, tão devagar que se conta até o caso de pessoas que andando na procissão acendiam as tochas que por vezes se apagavam. O vulcão vomitou lava por oito dias consecutivos, lançando também chuveiros de areia e cinza por toda a ilha.
Em São Carlos o povo saiu à rua implorando a misericórdia Divina, levantando um estrado de madeira junto à ermida de S. Carlos Borromeu, onde depositou uma coroa do Espírito Santo.
A vigília foi constante e o fumo manteve-se três semanas sem ultrapassar os limites do estrado, desaparecendo por completo a 21 de Setembro, dia em que a Igreja venerava o Evangelista S. Mateus. E acrescenta que, em ação de graças pelo desaparecimento da estranha fumarada, iniciaram-se os festejos em louvor do Divino Espírito Santo.
Diz, ainda o Portal da Irmandade, que o povo não esqueceu o milagre atribuído ao Espírito Santo e presta-lhe a homenagem devida, anualmente, no último domingo de Setembro, com a coroação do Imperador e distribuição do Bodo.
Nos primeiros anos, a coroação decorria na ermida de S. Carlos Borromeu e os festejos tinham lugar no caminho, junto à porta do pequeno templo. No lado contrário armava-se o “Teatro”, em madeira, onde o Imperador presidia à festa.
Só em 1814, surgiu a estrutura em alvenaria mas com uma configuração diferente da que tem hoje, seguindo o modelo vigente na época, que em tudo se assemelhava a um alpendre: estava implantado em plano elevado, não teria mais de quatro colunas e um teto, sendo completamente aberto na frente e nos lados, para que todos pudessem ver o que se passava no interior.
Na prática, era um “Teatro” onde se representava anualmente o Auto do Império, renovando a crença no reino do Espírito Santo, que promete a igualdade, a abundância e a paz universal.
Com o correr dos tempos, a estrutura foi melhorada, tapada nos lados e na frente, construiu-se um nicho no interior e deixou de ser um “Teatro” para parecer uma capela, onde ainda hoje se reza o terço e se deposita a Coroa.
A Irmandade de São Carlos é uma das mais antigas da ilha Terceira. No momento alto do Bodo, realiza-se a distribuição de uma “pensão”, composta por pão, carne e vinho, por todos os irmãos que, sendo predominantemente residentes neste lugar de Angra do Heroísmo, estão também espalhados por toda a ilha Terceira.
O Culto ao Divino Espírito Santo é uma das manifestações de religiosidade popular mais evidentes nos Açores. Assinala-se sempre na segunda feira de Pentecostes, data do feriado da Região Autónoma dos Açores.
(Noticia corrigida às 22h30 do dia 22setembro)