Ouvidoria das Capelas promove formação sobre o Luto

Iniciativa juntou um psicólogo da equipa de cuidados paliativos e um capelão do Hospital do Divino Espírito Santo

“Vamos falar de luto” foi a proposta formativa que a Ouvidoria das Capelas promoveu esta noite, em Santo António, juntando o capelão do Hospital do Divino Espírito Santo, padre Paulo Borges e Miguel Brum, psicólogo da equipa de intervenção psicossocial dos cuidados paliativos da mesma unidade de saúde de Ponta Delgada.

Uma das ideias centrais desta formação é a de que o luto é uma inevitabilidade, começando logo no nascimento, aquando do parto e prolonga-se ao longo de toda a vida, sendo sempre um processo ligado a perdas de natureza diversa como as sentimentais, as materiais, as físicas até à mais dolorosa de todas que é a morte de alguém próximo.

“Atravessar um processo de luto, depois de uma perda, qualquer que ela seja é fundamental” começou por dizer Miguel Brum identificando fatores que diferenciam a vivência do luto que sendo “universal é vivido de forma singular de acordo com factores psicológicos, de contexto e situação pessoal”.

O psicólogo identificou as diferentes situações geradoras de luto e a forma como um luto pode ser gerador de outros lutos se não for devidamente acompanhado e exemplificou com uma das causas mais severas de luto, a perda de um filho, que pode gerar um luto secundário, o afastamento do casal, que pode resultar ainda num terceiro luto, que é o divórcio.

O profissional deixou ainda pistas sobre as situações de luto inesperado (um acidente), antecipado (doenças prolongadas), desautorizado( uma relação extra-conjugal) e ambivalente. Falou, igualmente das “manifestações mais comuns reveladas pelos adultos em processo de luto” como a dor física, reações emocionais, isolamento social até situações mais extremas como a depressão ou a assunção de comportamentos aditivo,s que podem desencadear situações complexas do ponto de vista individual e social.

Miguel Brum apresentou, ainda, os “mitos à volta do luto”.

“Os mitos à volta do luto, que são ideias falsas, podem prejudicar muitas situações de luto” alertou o psicólogo exemplificando com as ideias feitas sobre a duração do luto ou a forma da sua vivência.

“Todos os lutos têm uma variação variável mas o que é importante é que percebamos que tudo tem um principio mas não sabemos quando acaba;  tem que haver uma forma adaptativa e funcional,  de forma a que não haja uma perturbação ao ponto de impedir que as pessoas possam prosseguir com a sua vida”, afirmou. Por isso, torna-se indispensável o “cuidado”.

Este foi o ponto de partida para a reflexão do padre Paulo Borges, Capelão do Hospital do Divino Espírito Santo, que destacou o cuidado e a presença como fatores importantes a ter em atenção numa situação de acompanhamento de luto.

“O primeiro grande luto é o nosso parto: quando nascemos” afirmou o sacerdote justificando a “violência e a dificuldade” deste luto provocado pela saída de um ambiente de proteção em que temos tudo para um ambiente em que estamos desprotegidos e precisamos de tudo.

Esta situação de isolamento, falta de protecção ou até culpa, pode ser de difícil ultrapassagem exigindo, em primeiro lugar, uma consciência do próprio para a situação em que se encontra e, de quem está a acompanhar, a capacidade para entender e ajudar o outro.

O sacerdote alertou para a necessidade do processo de luto ser bem feito, mas para isso “não há receitas fáceis” a não ser o “cuidado”, o “acompanhamento” e a “presença” não só dos que rodeiam a pessoa mas também do próprio que estando em processo de luto, deve tomar consciência da sua própria situação.

“Devemos estar alerta para os ´torcicolos´ do passado,  quando os lutos não são bem feitos;  mas há lutos mais subtis dos quais devemos estar cientes e há outros que são esmagadores e destruidores” disse o sacerdote, que centrou grande parte da sua intervenção na importância da espiritualidade não como fuga mas como fator decisivo para aliviar o sofrimento no luto.

“A espiritualidade é um chapéu muito grande e pode ter uma expressão religiosa, mas o importante é perceber o significado que damos à vida no hoje da nossa história” referiu.

“A espiritualidade tem de atender a três dimensões:  eu comigo mesmo, isto é, lidar com a minha emoção, a coerência e a auto compaixão”, referiu.

A partir da narrativa sobre a morte de Lázaro, que remete para a questão da vida para além da morte, o sacerdote recorda que o luto, sobretudo numa situação de perda devido a morte, pressupõe a confiança e a compaixão.

“O que é que Jesus nos diz ao ouvido numa situação de luto? Jesus diz: anda cá, levanta-te e depois diz desligai e deixai-o ir… É por aqui que passa o processo de luto” frisou salientando que há lutos duradoiros e “destruidores” que aumentam quando maior é o vínculo ao objeto de perda.

A iniciativa da equipa da Pastoral familiar da ouvidoria das Capelas, que no ano passado tinha priorizado a atenção às crianças com algum de deficiência, nomeadamente autistas ou com síndrome de down, duas realidades constantes na catequese da ouvidoria, este ano decidiu abordar o luto e a esperança, desenvolvendo uma formação que contou “uma participação acima do esperado” o que “nos deixa muito felizes” disse ao Sítio Igreja Açores o padre Horácio Dutra.

“ É um desafio para todos nós estarmos atentos a estas realidades e o luto toca a todos exigindo de nós uma atenção permanente” justificou o sacerdote, que é o ouvidor das Capelas.

 

 

 

 

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