Ousadias, digo eu

A Diocese de Angra está a comemorar por estes dias os 480 anos da sua fundação, estabelecida pela Bula Equum Reputamus, assinada por Paulo III, em 1534.

Na abertura das comemorações, o Bispo de Angra desafiou os cristãos a recolocarem Cristo no centro de tudo, qual “pedra angular” do todo o edifício espiritual que é a Igreja.

Recuperando as palavras do Beato Paulo VI, no inicio da segunda sessão do Concilio Vaticano II, D. António de Sousa Braga lembrou que “nenhuma outra luz resplandeça que não seja Cristo”; que “nenhuma outra verdade e interesse domine o nosso espírito que não seja a Palavra do Senhor” e que “nenhuma outra aspiração nos guie, que não seja o desejo de Lhe ser totalmente fiel”.

“Numa situação-limite”, acrescentou, uma Diocese “poderia não ter paróquias, nem comunidades religiosas, nem associações, nem movimentos. Mas, para ser a Igreja de Cristo, não podem faltar: o Evangelho e a Eucaristia, o Espírito Santo e o Bispo, que garante a comunhão com a Igreja, mediante o Ministério da Síntese prolongado pelo Presbitério e envolvendo todos os batizados e os crismados”.

Todos somos convocados a sermos Igreja, com a alegria própria e o dinamismo exuberante dos primeiros cristãos, sem desistirmos mesmo que o tempo ou as adversidades terrenas nos desgatem, cientes de que é na pluralidade aconchegada dos nossos irmãos que fazemos a nossa unidade.

Leão XIII foi o pirmeiro Papa a conceder uma entrevista a uma mulher. Séverine, pseudónimo de Caroline Rémy, socialista e agnóstica, entrevistou-o para a edição do Figaro de 3 de agosto de 1892.

O texto que precede a entrevista e a entrevista, ela própria,  foram impressos esta semana nos cadernos que o Jornal Expresso começou a publicar com as “Grandes Entrevistas da História entre 1865 e 2014”.

Nela Leão XIII sublinha a tarefa primordial da igreja: “doçura e fraternidade”. Diz o Papa que a Igreja deveria “aproximar-se do que está errado, esforçar-se por erradicá-lo” e insurgir-se “contra o poder do dinheiro”. E, conclui, “ eu estou com os fracos, os humildes, os necessitados, com aqueles que Nosso Senhor amou”.

O insólito encontro de 70 minutos entre esta mulher –jornalista, feminista, política e militante- e o Papa de 82 anos, que um ano antes tinha publicado a Enciclica Rerum Novarum, onde estão os alicerces da Doutrina Social da Igreja, só se veio a repetir nos mesmos moldes em 2014, com a vaticanista Franca Giansoldati, do jornal Il Messaggero.

Uma e outra têm em comum o gosto e a ousadia de perguntar. Ambos os papas tiveram a coragem de responder, sem preconceitos e cientes dos problemas que afectavam e afetam o mundo.

É desta ousadia que estamos à espera quando ouvimos falar numa “conversão pastoral em chave missionária”, com atenções viradas para os últimos, os excluídos, as “periferias”, que não estão necessariamente fora de casa.

Saberemos nós entender isso? Só ousando…

 

Carmo Rodeia

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