Por Carmo Rodeia
A Rússia acaba de ser sujeita a uma multa de 150 mil euros e a uma desqualificação anunciada, que acabou por ser suspensa até ao final do Campeonato Europeu de Futebol, caso não haja reincidência dos comportamentos inqualificáveis de alguns dos seus adeptos que se envolveram em confrontos com os não menos pacíficos ingleses, no final do encontro de sábado, que se saldou num empate a uma bola e muitos feridos (mais de 30).
A pena foi ligeira se atendermos não só aos acontecimentos em si mas também às declarações públicas de alguns dos dirigentes russos que, uma vez mais, perderam uma boa oportunidade para se reconciliarem com os europeus. Sobretudo se atendermos ao facto do Campeonato do Mundo de Futebol estar agendado para a Rússia daqui a dois anos.
Mas não.
Igor Lebedev, vice-presidente da Câmara Baixa do Parlamento da Rússia, felicitou os hooligans russos envolvidos nos confrontos de sábado na cidade de Marselha.
“Não vejo nada de condenável nas lutas entre adeptos. Pelo contrário, dou os parabéns aos nossos rapazes! Continuem! Não percebo como é que existem políticos e dirigentes a condenar os nossos adeptos. Temos de os proteger e compreendê-los”, escreveu na sua conta do Twitter.
Este senhor é vice-chefe do Partido Liberal-Democrático da Rússia, força política ultra-nacionalista. Frequentemente aparece na televisão a ameaçar fazer desaparecer os Estados Unidos, invadir a Europa ou prometer atacar os imigrantes e minorias nacionais e sexuais.
Lebedev é membro do Conselho Executivo da União de Futebol da Rússia, organização equivalente à Liga Portuguesa de Futebol e, portanto, está envolvido na organização do Campeonato do Mundo de 2018.
O mundo do futebol é alimentado e muitas vezes construído com base neste fanatismo cego, que ganha cada vez mais importância fora do campo, seja pelos negócios de bastidores seja pela forma como tudo se passa para além das quatro linhas.
O futebol, enquanto espectáculo, pode ser fantástico. Tem protagonistas de valor incalculável, exemplos de trabalho, de superação, de dedicação, de humanismo e de talento. É uma ciência de estratégia, tática, liderança e gestão de pessoas. Mas também é um dos sectores mais difíceis, porque vive essencialmente da paixão cluâbística, da emoção dos adeptos e da irracionalidade que que lhes estão associadas.
A irracionalidade de muitos adeptos é ultrapassada regularmente pelo resto das pessoas, das quais se esperaria bom senso, ponderação e um sentido de responsabilidade compatível com a missão de cada um. Falo dos dirigentes de clubes e de organizações de futebol, treinadores, classe política e instituições e, claro, dos media que não se coíbem de dar palpites que ainda insuflam mais o ambiente.
Os media são particularmente relevantes pela capacidade que têm para ampliar comportamentos e atitudes, e porque é através deles que, bem ou mal, se transmitem valores colectivos a uma sociedade.
O futebol é “um passo muito importante porque o desporto é uma ferramenta para a educação. O desporto ensina-nos a sermos solidários e a trabalharmos em equipa”, disse o Papa Francisco depois da assinatura do acordo entre a Conmebol (Confederação Sul-americana de futebol) e a Scholas Ocurrentes.
“O futebol é bom e saudável, e seu espírito de equipa é um bom exemplo para as crianças”, precisou o Papa.
Mas este desporto já não existe. O que existe é uma realidade que presta um mau serviço ao futebol, servindo-se dele para outros fins que já não são desportivos há muito tempo. E é pena…
Tirando isso, que se façam bons jogos dentro do campo em França. Que ganhem os melhores. E já agora, que os melhores sejamos nós.