Por Carmo Rodeia
Esta semana tive a tarefa facilitada. O tema deste Entrelinhas não podia ser outro senão o do aniversário da eleição do Papa Francisco. Logo eu, que recorro abundantemente aos seus escritos, afirmações e gestos para os artigos que aqui escrevo.
Lembro-me deste dia 13 de março de 2013 como se fosse hoje: estava junto ao Pavilhão Sidónio Serpa, em Ponta Delgada, em trânsito, à espera que o meu filho mais novo terminasse o treino, quando na TSF (e em todo o lado) se anunciava que o novo Papa vinha do Fim do Mundo. Fazia um tempo amuado, como costuma dizer um amigo meu, entre o chovisco e as nuvens carregadas, bem contrastante com o entusiasmo com que os jornalistas anunciavam a eleição do novo Papa. De facto, como diz o povo, quase nunca há uma segunda oportunidade para provocar uma primeira boa impressão e, desde que apareceu à janela, Francisco raramente defraudou.
Em tudo era anunciado como o primeiro: o primeiro Papa latino-americano; o primeiro Papa jesuíta; o primeiro a adotar o nome de Francisco; o primeiro a dirigir-se aos inúmeros fieis na Praça de São Pedro, que o aguardavam, pedindo-lhes que rezassem por ele…e depois o primeiro a não usar como residência o Palácio Apostólico, a prescindir da viatura topo de gama, a optar por uma cruz de aço em vez de ouro, a rejeitar os icónicos sapatos vermelhos… E ainda a simbologia do nome: Francisco como o de Assis, seguidor dos pobres, defensor da natureza, seguidor de Jesus.
O 266.º Papa da história da igreja, eleito após cinco votações, no segundo dia do conclave, era uma novidade, ao ponto de logo em 2013 ter sido declarado ‘Personalidade do Ano’ pela revista norte-americana Time, que destacou a sua “humildade” e “compaixão”, e, um mês passado, a revista de cultura popular Rolling Stone italiana o ter colocado na capa, com um ar sorridente e com o polegar levantado, destacando que Francisco “conquistou todos os jovens com as suas palavras de atenção aos mais pobres, com uma atitude decididamente popular”.
Jorge Mario Bergoglio, oriundo de uma família de emigrantes italianos, nasceu a 17 de dezembro de 1936, na capital argentina, sendo o mais velho de cinco filhos.
É conhecido o seu bom humor, com que também tem respondido às críticas que se vão fazendo ouvir, sobretudo do lado dos que estão presos a opções mais conservadoras. Ao contrário de antecessores, Francisco tem promovido o debate no seio da Igreja Católica, ao invés de silenciar os opositores, que o acusam de ser autoritário e centralizador.
Nos seus discursos, lança críticas duras aos efeitos da crise, àqueles que só procuram o lucro, aos autores das guerras, à falta de capacidade da Europa de acolher os migrantes e os refugiados, mas vai além das palavras.
A sua primeira viagem, depois de eleito, foi à ilha italiana de Lampedusa, onde chegavam então milhares de migrantes, vestindo-se de roxo como sinal de penitência. Em abril de 2016, visitou a ilha grega de Lesbos e levou consigo para o Vaticano três famílias muçulmanas, no total de 12 pessoas, das quais metade eram crianças.
Também na primeira Páscoa que celebrou enquanto líder da Igreja Católica, inovou ao escolher uma prisão, e não a basílica de São Pedro, em Roma, e, ao cumprir o ritual do lava-pés, escolheu homens e mulheres (pela primeira vez, e incluindo muçulmanas).
Francisco é um grande leitor dos escritores argentinos Jorge Luis Borges e Leopoldo Marechal e do russo Fiodor Dostoievsky, e também amante de ópera.
Em todos os seus gestos há aspetos proféticos, à boa maneira dos apóstolos. O maior de todos é ter assumido a “dor moral e a obrigação de consagrado”, reconhecendo a “injustiça na distribuição dos recursos” e a ausência de paz, com “divergências políticas inquietantes” em todos os continentes, como referiu ainda esta segunda-feira Adriano Moreira, conferencista do encontro promovido pela Agência Ecclesia, para assinalar o 5º aniversário deste pontificado.
Numa sociedade de massas, em que as imagens valem tudo, os seus gestos e as suas afirmações mostram como o poder do testemunho e da palavra “pode vencer a palavra do poder”. Qualquer que ele seja, mesmo dentro da igreja, quando oprimir e esmagar, quando não é serviço.
É um papa para este tempo, que através da sua conduta, conseguiu construir uma segunda oportunidade para a igreja num mundo cada vez mais afastado de Deus.
Como é que há gente que ainda teima em não compreender isto?