Pelo Padre Teodoro Medeiros
Alexander Payne é profícuo em estórias de dificuldades: os seus personagens vivem em transição, apertados entre o presente e uma qualquer nova situação que os ameaça. Era assim nos famosos “Confissões de Schmidt”, “Sideways”, “Os Descendentes”, “Nebraska”, e é assim no recente “Os Excluídos”. Que, diga-se à partida, é talvez o melhor de todos estes filmes.
A estória tem uma interessante pedra de toque: num colégio privado, chegando-se as férias de Natal, um professor é obrigado a tomar conta de alguns alunos durante essa quadra. O professor é Hunham (Paul Giamatti), que ensina História Clássica com prazer e exigência (simetricamente proporcionais ao desinteresse dos alunos). A postura do filme, para nos entendermos bem, parece assumir-se como o anti “Clube dos Poetas Mortos”.
Vale apena evocar esse filme trágico mas inspirador, uma vez que é essa a experiência que “Os Excluídos” propõe, se bem que por caminhos bastante diferentes. A primeira diferença é que não se aponta aqui diretamente ao ato sublime da educação, antes se desmontam as insuficiências associadas. Ou seja, estas são pessoas, com as suas potencialidades evidenciadas, mas também com os seus limites na linha da frente.
Do outro lado da barreira está Tully (um muito convincente Dominic Sessa), o aluno que cedo se torna o parceiro privilegiado de Hunham nestas férias insólitas. É mérito do filme livrar-se cedo das distrações iniciais, os outros alunos que são resgatados à normalidade, ficando o campo livre para voos mais altos. Estes consistem, inicialmente, do confronto entre os dois formidáveis opositores.
A narração segue a técnica da cebola: a cada cena, uma nova camada mais interior é exposta, ficamos a conhecer mais uma característica, um novo segredo vê a luz do dia. É assim que, de personagens padrão, cada um vai ganhando cor e consistência, até atingirem picos muito altos de vulnerabilidade. Por isso mesmo, não há como negar-lhes a nossa incondicional empatia. É o grande espanto do filme e é um privilégio que nos é concedido.
Talvez surpreenda, mas este efeito é acompanhado de muito humor, muitas frases sarcásticas, muitas alfinetadas, muita agressividade passiva que se manifesta. Mas tudo isso está ao nosso serviço, revelando quais são as angústias destas pessoas, de que é que gostam e o que é que odeiam. O ritmo narrativo é veloz, o que ajuda sempre aqueles que não gostam de filmes onde “não acontece nada”.
Poucos filmes retratam assim a adolescência e a juventude, e o que se poderia chamar os seus efeitos permanentes: o adulto que se é resulta do jovem que cresceu. O tempo passou, a vida assumiu outros contornos, mas ficou a forma, permaneceram os sonhos realizados e as desilusões também. É preciso sair da própria zona de conforto, enfrentar esses fantasmas. Assim se descobre que, afinal, um homem de Barton também é capaz de mentir.
Outros pontos fortes do filme: Da’Vine Joy Randolph venceu o Óscar para melhor atriz secundária. O seu papel de mãe corajosa que está de luto é estranhamente leve. A sua maturidade contrasta, e de alguma forma anula, o histerismo masculino. A ela pertence, salvo erro, o único abraço de todo o filme.
Os votantes terão sido movidos por razões sentimentais, pelo menos em parte, uma vez que a representação mais obviamente formidável pertence a Dominic Sessa. O seu Tully, jovem problemático, quase espasmódico às vezes, é o verdadeiro centro do filme, pode-se afirmar. Dizer que o ator é perfeito para o papel não chega a fazer-lhe justiça. Tour de force, sem dúvida.
A banda sonora é muito conveniente, amplia o diálogo com a audiência sem chegar a ser intrusiva. Marca pontos com um instrumental dos Khruangbin, o fabuloso instrumental “A calf in Winter”. Todos os aspetos técnicos, de resto, são irrepreensíveis: não há um único passo em falso, nem sequer na edição.
As referências latinas e gregas são muito agradáveis. Esclareça-se um ponto, contudo: ao contrário do que afirma Hunham, o livro “Meditações”, do Imperador Romano Marco Aurélio, está repleto de menções aos deuses e à divindade. Alguém na produção atravessou esse Rubicão.
“Os Excluídos” é cinema de primeira água, um misto de drama e comédia, assente em personagens irresistíveis. Nele não há ponta de cinismo ou manipulação: a obra olha, desde o princípio ao fim, com uma enorme empatia para com estas pessoas. Sim, eles são bastante disfuncionais, mas o que interessa é que os aceitemos, os compreendamos, os perdoemos, os convidemos para a nossa vida tal como são.
Inspirador é, portanto, o adjetivo necessário. Trata-se de uma obra profundamente cristã no seu proceder: tudo se dirige para a compaixão, para essa compreensão mais profunda que se costuma reservar para quem se ama. Os jovens encontram aqui perspetiva para si mesmos e para o futuro. Todos os outros também.