Por Renato Moura
Nestes dias recordei-me de um Padre que foi professor dezenas de anos, depois também ouvidor. Frequentemente dava orientações sobre comportamentos de toda a ordem, nomeadamente de abstinência sexual, não só a jovens, mas também a casais. Para fundar as suas opiniões costumava afirmar: “Olhem que nesta matéria eu não estou em jejum!”. Havia quem considerasse essa afirmação comprometedora; sempre pensei que o homem só queria dizer que se considerava muito conhecedor sobre o tema. Mas muitos pensávamos que a cultura dele sobre o tema era apenas livresca e não se devia meter no assunto. Faleceu idoso, há muitos anos.
Soubemos agora que o Papa Francisco decidiu recolher-se em seis dias de exercícios espirituais e não obstante a sua vasta cultura, escolheu fazê-lo sobre orientação do Pe. Tolentino Mendonça, um português distinto que é escritor e poeta. O nosso Papa releva mais uma vez a sua humildade, pois poderia ter escolhido um cardeal, mas optou por um padre.
Iniciou-se esta semana a Quaresma, que a Igreja considera “tempo favorável” a que “nos reconciliemos com Deus, nos abramos à graça do perdão alcançado por Cristo”.
Ainda anteontem recordámos que São Paulo escreveu aos Coríntios declarando: “Nós somos embaixadores de Cristo; é Deus quem vos exorta por nosso intermédio. Nós vos pedimos em nome de Cristo: reconciliai-vos com Deus”. Apesar de ordenado por mão direta de Jesus, ainda assim se limitava a considerar-se simples intermediário entre Deus e os homens. Ele foi o exemplo vivo de que com a ajuda de Deus um grande pecador se pode transformar em Apóstolo. Temos de manter a esperança que os embaixadores de Cristo da nossa Igreja – sejam eles diáconos, padres, bispos ou cardeais – nos dias actuais também saibam provar-nos que Deus quer que nos aproximemos Dele, que Deus quer manifestar o Seu perdão, que Deus quer oferecer-nos a sua misericórdia, pois que o Seu poder ultrapassa o pecado dos homens.
Mas se infelizmente a nossa expectativa positiva se gorar, cada um de nós – pois a Igreja não é só a hierarquia – tem de continuar a alimentar o dom da fé recebida, a dividi-la com outros e a partilhar o Evangelho. E pedir que Deus perdoe aos que fazem mal quando contribuem para a exclusão.
A graça de Deus não é autorizada por uma hierarquia, mas pede-se pela oração, recebe-se na consciência, revê-se nos exemplos da palavra e vida de Jesus, pois Ele não se socorreu da “forma reservada” e não evitou escandalizar os daquele tempo ao relacionar-se com os pecadores, ou a perdoar em público.