Por Renato Moura
Esteve em Lisboa Edgar Morin, filósofo e sociólogo, um pensador com vasta formação. Divulgaram-se na comunicação social algumas das suas reflexões. Falou dos progressos da técnica e da ciência, definiu o que chama de transumanismo: “uma visão do homem aumentada, aumentada quantitativamente, mas, infelizmente, diminuída qualitativamente, porque esse homem que recupera o tema do domínio do mundo, esse homem que por razões puramente quantitativas se esquece que aquilo de que precisamos agora, não é um homem aumentado, mas de um homem melhorado pela solidariedade e pela fraternidade”; ambas em crise.
Recordou que Hitler encetou a invasão da Rússia pensando que a iria reduzir à escravidão, mas dela resultou a sua própria queda. A propósito do princípio do pensamento complexo, que ele chama “a ecologia da acção”, ensinou: “a acção nem sempre corresponde à intenção de quem a decide, mas depende de tudo o que vai acontecer no meio em que vai desenvolver-se, vai encontrar obstáculos e, por vezes, a acção vai recair naquele que a desencadeou, como um bumerangue”.
De Morin se afirmou agora, como sua visão, precisarmos saber viver na incerteza, vigilantes face ao imprevisível, entre a esperança e o desalento. É um dos maiores filósofos vivos, defensor do pensamento crítico de cada um. Extraordinário tê-lo visto transmitir o que transcrevemos e mais, de improviso, sabendo que tem 102 anos de idade. Confirma-se que onde há talento não há idade. Também se percebe como há idosos com muito para ensinar permanentemente; e sem qualquer complexo os jovens podem e devem aproveitar todos esses talentos, para antes de tomarem conta do mundo se preparem para o fazerem com inteira eficácia e sucesso.
Em tempos de crise e de invasão, Morin não falou por acaso. E há que reter afirmações que são pensamentos profundos, autênticas lições, mais gerais que específicas.
As afirmações de Morin ecoaram-me quando se assiste ao diferençar das relações, agora distintas, ao invés do passado, entre Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa. Há quem lhes chame diferendo, conflito ou querela; e qualquer que seja, não é só por ambos negarem, que não existe. Talvez aqui também estejamos perante “a ecologia da acção”, que poderá não vir a corresponder às intenções de um ou outro deles, ficar dependente dos desenvolvimentos no meio e dos obstáculos; mas, trágico seria, se o bumerangue, para além das pessoas, fosse cair na Presidência da República, ou no Governo, com um Parlamento pelo meio, a quem mingua arte e isenção para árbitro.