Por Renato Moura
Infelizmente os fogos deram oportunidade para evidenciar situações e pretexto para muitas outras coisas. Não serviram apenas para pôr a nu problemas estruturais antigos, nem só para evidenciar incapacidades governamentais. Face ao desespero de muitos, ou ao descontentamento generalizado de todos, foram tema fácil para os partidos da oposição desancarem o Governo e momento para os partidos da esquerda parlamentar apoiante exibirem independência crítica face ao executivo.
Os fogos e todas as polémicas advenientes aguçaram o espírito mordaz de jornalistas e comentadores, na luta cada vez mais intensa pela venda de jornais ou conquista de audiências.
Converteu-se em surpresa o que não me pareceu merecê-la, designadamente a diferença de convicções entre o Presidente da República e o Governo!
É digno de louvável consideração o novo estilo introduzido pelo actual Presidente da República, mas conhecendo, pela sua actuação, ao longo dos anos, Marcelo Rebelo de Sousa, nas suas múltiplas funções, entre as quais jornalista, político e sobretudo comentador de todo o tipo de acontecimentos, será impossível alguém querer adivinhar-lhe agora actuações linearmente previsíveis.
Não obstante o apoio institucional que tem prestado ao Governo, só alguns incautos ou ingénuos socialistas poderiam esperar que Marcelo nunca discordasse. Granjeou crédito para agora poder debitar críticas. Há muitos que não se esqueceram que Marcelo foi eleito sabendo dizer o que a maioria das pessoas gostam de ouvir. E isso lhe continuará a garantir a confiança actual e futura. Para evitar próximos sobressaltos, creio que era bom que todos se habituem a que Marcelo será uma eterna surpresa.
É claro que o Governo tem méritos e sucessos, alguns sem saber como, mas ninguém poderia esperar que não cometesse erros graves, uns e outros, não só mas também, condicionados pelos parceiros de suporte. E se o Governo não é capaz de fazer a sua própria avaliação, ou se amofina com os discursos do Presidente ou as críticas da oposição, falta-lhe espírito democrático. E prepare-se para o pior, se vier aí, depois das eleições internas, um PSD forte.
Também Marcelo Rebelo de Sousa, ainda que titular de um órgão de soberania, por demais unipessoal, não se deveria surpreender, nem sequer enfadar e muito menos polemizar, por causa de comentários pessoais discordantes sobre as suas posições ou actuações. Nem tão pouco pode esperar que os partidos sempre aplaudam.
Em resumo: semearam-se surpresas, para colher uma tempestade que não chegou a ser.