Núncio Apostólico volta a questionar o sentido da guerra e da morte e lembra que a Cruz foi uma “vitória” sobre o mal
O Núncio Apostólico afirmou hoje na celebração da Paixão, na Sé de Angra, que meditar neste episódio da vida de Jesus é reconhecer onde Ele hoje continua a ser maltratado.
“Meditar sobre a paixão de Jesus obriga-nos a reconhecer onde Jesus continua a ser maltratado, violado e morto; obriga-nos a perguntar-nos o que estamos nós a fazer para lutar contra estas imensas tragédias da família humana à qual pertencemos” afirmou D. Ivo Scapolo.
O diplomata da Santa Sé lembrou alguns acontecimentos trágicos dos nossos dias para exemplificar o prolongamento do sofrimento do Filho de Deus.
“Nestes últimos tempos tivemos que perguntar-nos, com particular intensidade, sobre o sentido do sofrimento e da morte causados pela pandemia da Covid-19 ou pela atual guerra da Rússia contra a Ucrânia” afirmou destacando ainda que no mundo há também “uma quantidade inumerável de seres humanos que sofrem e morrem por causa de guerras esquecidas como a da Síria e do Yémen, pelo terrorismo, pela tragédia permanente causada pela falta de comida, de água e de medicamentos, pelo massacre dos inocentes causado pelo aborto, pelo tráfico de seres humanos e tráfico de órgãos, pelas formas mais camufladas de escravidão, pelo trágico fenómeno dos emigrantes e refugiados”.
O Núncio exortou os fiéis presentes na catedral açoriana a questionarem-se, a partir da cruz, sobre o sentido do sofrimento e da morte, que não é uma maldade de Deus mas um sinal que exige uma entrega e uma resposta de cada um no cuidado do outro.
“Que quer Deus dizer-nos com estas tragédias, permitindo as maldades, as violências, as doenças, as catástrofes, os acidentes, a multiplicação do sofrimento na vida de algumas pessoas?” interpelou D. Ivo Scapolo para de imediato dar a resposta: “Deus quer, talvez, ajudar-nos a quebrar falsas seguranças; eliminar o orgulho e a presunção de poder fazer por conta própria; rever programas inúteis ou até maus; ver mais além de um horizonte limitado a esta vida terrena; entender que nada é seguro e duradouro”.
“A cruz de Cristo, um aparente e trágico insucesso, foi na realidade a grande vitória sobre o diabo, o mal, a morte”, disse D. Ivo Scapolo.
“Da mesma maneira Deus nos convida à solidariedade, ao serviço, à empatia; sacode-nos para que comecemos a usar bem a vida, os vários dons recebidos, a capacidades que nos doou para o bem comum; pede-nos a coragem de lutar por algo verdadeiramente importante como a liberdade, de maneira particular a liberdade religiosa, tal como fizeram os mártires; torna-nos mais empáticos e sensíveis aos sofrimentos dos outros”, concluiu.
A celebração da Paixão é um dos três grandes momentos do Tríduo Pascal que termina amanhã, sábado, à noite, com a Solene Vigília Pascal.
Esta Sexta-feira Santa, a Igreja celebra a morte de Jesus, este ano com uma oração especial pelo “dom da paz para a Ucrânia” e as vítimas de “todos os outros conflitos, infelizmente numerosos, em muitos países do mundo”, por indicação do Vaticano.
A Santa Sé pede que esta oração se faça em prol dos irmãos “que vivem a atrocidade da guerra, especialmente na Ucrânia”.
A Igreja Católica evoca a morte de Jesus, num dia de jejum para os fiéis, que não celebram a Missa, mas uma cerimónia com a apresentação e adoração da cruz.
A Paixão decorre durante a tarde, perto da hora em que se acredita que Jesus terá morrido, nas igrejas desnudadas desde a noite anterior.
Ao entrarem, em silêncio, os presidentes da celebração prostram-se, bem como os demais ministros, em sinal da morte de Cristo.
A parte inicial da celebração, a Liturgia da Palavra, tem um dos elementos mais antigos da Sexta-feira Santa, a grande oração universal, tradicionalmente com dez intenções – este ano, 11 – que procuram abranger todas as necessidades e todas as realidades da humanidade.
A adoração à cruz e os vários momentos de oração apresentam-se como momentos de penitência e de pedido de perdão.
Durante a celebração da Paixão do Senhor há o rito da adoração, mas este ano omitiu-se o beijo devocional da Cruz, por razões de saúde pública; o sacerdote que preside à celebração está paramentado com a cor vermelha, que a liturgia católica associa aos mártires.
Esta sexta-feira foi ainda realizada uma via-sacra e a tradicional procissão do Senhor Morto, que não já se realizava nos moldes habituais há dois anos, por causa da pandemia.
(Fotografias de Hugo Silva)