Não é uma teoria. É um facto.
Andamos cercados, inundados de informação, opinião, análises, projetos, críticas, imagens, sons planetários. Temos impressão que escutamos e vemos todos os gritos de criminosos e inocentes, alegrias de pobres e ricos, preces de crentes, fanáticos e descrentes.
Antes, acordava todas as manhãs com um mar de jornais em volta da cama, espécie de tapete que tinha de limpar antes de sair para começar o dia. Agora não. Não há jornais nem revistas no chão. Andaram pela noite a vaguear pela minha cabeça, trazendo, sei lá, algum pesadelo indesejado. Não adormeço, rezadas as Vésperas, sem manusear o ecrã táctil e passar por seis jornais diários, um digital, alguns semanários portugueses e estrangeiros, duas ou três agências, editoriais e opiniões de muitos sábios reais ou pretensos, sei lá. Citar autores e até jornais no dia seguinte, é difícil, pois o cruzamento dos saberes confunde a arrumação. Depois de muitas vezes ter passado um dia na redação da televisão com dezenas de jornalistas, monitores, três computadores na minha mesa, agências internacionais e imagens híper coloridas a debitarem informação, entre os dramas e a festa que compõem o nosso mundo. Tudo aqui vem parar. E ainda ouço os colegas a meu lado nas suas mesas de trabalho a falarem em exclusivo para os respetivos microfones na composição das peças que a horas têm de estar prontas para os serviços televisivos de informação.
Não sei porquê, tudo isto me soa paradoxalmente a silêncio, sem me sentir minimamente incomodado com o ruído de semitom que vagueia à minha volta. Será degeneração, adaptação, decadência? Continuo a consultar ascetas e contemplativos para perceber como Deus se encontra no movimento e no ruído que é vida. Parece que aqui tombaram todas as teorias sobre o silêncio. Estou numa redação, local de trabalho onde se trabalha mesmo, as dezenas de teclados são impercetíveis e surpreendentemente paira uma certa quietude apesar dos sons e onde não está proibida uma boa gargalhada ou uma discussão acesa que por vezes enche a sala.
Frequentemente questiono sobre o que tem isto a ver com o meu sacerdócio, com cada manhã em que faço uma espécie de suspensão desta sinfonia tempestuosa e rezo Laudes serenamente na penumbra da Igreja onde celebro a Eucaristia. Hoje, na mesma plataforma que encontrou os jornais de ontem à noite, fui visitar um companheiro do século II, São Teófilo de Antioquia, que me diz: “os que veem com os olhos do corpo observam o que se passa nesta vida terrena, e distinguem as diferenças entre a luz e as trevas, o branco e o preto, o feio e o belo, o disforme e o formoso, o proporcionado e o desmesurado, o que tem partes a mais e o que é incompleto – e o mesmo podíamos dizer no que se refere ao sentido do ouvido – os sons agudos, graves, agradáveis. Assim acontece com os ouvidos do coração e os olhos da alma, no que diz respeito à visão de Deus. Na verdade Deus é visível para aqueles que são capazes de O ver porque têm abertos os olhos da alma.”
Que grande jornalista este São Teófilo. Gostava de o ter aqui ao meu lado.
Pe. António Rego