Por Carmo Rodeia
O Papa disse esta semana na receção aos líderes europeus no âmbito do 60 º aniversário do Tratado de Roma, que a sexagenária Europa deve “traçar novos rumos”, porque não tem de estar “condenada a ser uma instituição em decadência”. Ou seja, Francisco alertou para os perigos, mas disse que há esperança se se valorizar o património europeu “de ideais e valores espirituais”, que é “único no mundo”.
“Atualmente, com o aumento da idade média de vida, os 60 anos são considerados a idade da maturidade completa, um tempo crítico em que somos chamados a examinar a nossa vida. Também a União Europeia é hoje chamada a examinar-se, tratar das maleitas que inevitavelmente acompanham a idade e encontrar formas de traçar novos rumos. Mas, ao contrário dos seres humanos, a União Europeia não enfrenta uma velhice inevitável, mas a possibilidade de uma nova juventude”, afirmou o Papa.
“Enquanto líderes, são chamados a abrir o caminho do ‘novo humanismo europeu’, constituído por ideais e ações concretas. Isto passa por perder o medo de tomar decisões práticas capazes de resolver os problemas reais das pessoas e de resistir ao tempo”, concluiu.
O Papa alertou também para o perigo de se reduzir o ideal europeu a “um conjunto de regras a obedecer ou um manual de protocolos e procedimentos a seguir” e para a tentação de “reduzir os ideais fundadores da União às necessidades produtivas, económicas e financeiras”.
Francisco lamentou que os europeus se tenham esquecido de dois factores que marcaram os últimos 60 anos, a começar pela destruição das barreiras ideológicas que separavam os europeus do Oriente e do Ocidente.
“A Europa encontra nova esperança quando coloca o homem no centro e no coração das suas instituições”, disse Francisco, o que implica ultrapassar uma tendência de divisão entre os cidadãos e os órgãos da União e recuperar o “espírito de família”.
Este poderá ser o caminho que não seguimos até agora. Somos responsáveis porque deixámos o projecto europeu amadurecer, cheio de virtudes, ao ponto do apodrecimento, como dizia há tempos o Professor Viriato Soromenho Marques.
“As tendências patológicas da União Europeia não são de agora”. Hoje só estamos a pagar o preço pelos erros da nossa cegueira.
E acrescentava, ainda sobre a vaga de refugiados, se houvesse vontade, os cerca de 500 milhões de cidadãos da UE teriam capacidade de receber dois ou três milhões de migrantes. Observamos uma sucessão de erros políticos que se traduzem numa ameaça para a sobrevivência do projeto europeu como está instituído.
Infelizmente vivemos o falhanço da inteligência política das lideranças europeias, há uma espécie de défice intelectual, que se traduz no êxito de fenómenos como Wilders ou le Penn.
Que cultura é que a Europa propõe hoje? O medo que se torna mais e mais evidente tem na raiz a perda de ideais. Sem uma abordagem inspirada por esses ideais, acabamos dominados pelo medo de que os outros nos venham tirar os nossos hábitos, privar-nos dos nossos confortos familiares e pôr em causa um estilo de vida que, demasiadas vezes, assenta exclusivamente em prosperidade material.
“A Europa”, como disse o Papa, “tem um património de ideais e valores espirituais único no mundo, que merece ser proposto mais uma vez com paixão e vigor renovado, porque constitui o melhor antídoto contra o vácuo de valores do nosso tempo, que fornece terreno fértil para todas as formas de extremismo”.
O futuro até pode ser risonho mas teremos de adotar uma nova utopia que vá muito mais além da economia. Não sei se seremos capazes. Pelo menos com os atuais protagonistas. Não é pessimismo é mesmo desconfiança na capacidade dos lideres europeus se auto regenerarem.