Entrevista ao novo diácono Nuno Fidalgo

Por Igreja Açores

“O que me tira o sono é saber como anunciar o Evangelho num mundo que muda sendo que o Evangelho nunca muda”

Nuno Fidalgo em entrevista ao Igreja Açores fala da sua opção de vida, da vocação e das preocupações que o mantém focado em ser “o rosto de cristo junto da comunidade”. O jovem de 28 anos, natural das Furnas, na ilha de São Miguel, é ordenado hoje diácono

Igreja Açores- Esta sexta feira será ordenado diácono com vista ao sacerdócio. Depois do regresso ao Seminário, após uma pausa,  o que representa este momento para si?

Nuno Fidalgo- É para mim o primeiro passo do culminar do sonho que Deus tem para mim e que por resistência da minha parte fui adiando, mais, ignorando. Representa a inefável predilecção que Deus tem por cada um de nós em particular e que se realizou, concretamente em mim, no chamamento a este serviço, a esta missão. É o concretizar-se da história de amor que Deus escreveu para mim.

Igreja Açores- As solicitações do mundo atual muitas vezes distanciam-nos do essencial e até de nós próprios. Como é que vê esta questão e de que forma se sente tocado por este chamamento?

Nuno Fidalgo– Realmente o mundo dá-nos uma panóplia de ofertas que acabam por nos distanciar do essencial. No fundo são coisas que não nos preenchem totalmente, mas que nos ludibriam e fazem ter a falsa sensação de felicidade. Penso que de certo modo são ofertas que se nos dão para fazer entorpecer a razão da nossa existência. Acabamos por estar perto de tudo menos de nós. Por vezes dou por mim imiscuído nesta realidade. Não o desejo, mas acaba por acontecer infelizmente. Sou tão humano quanto os outros e as dificuldades que porventura os outros homens possam passar, eu também as passo.

Igreja Açores-  Como vê a questão vocacional hoje?

Nuno Fidalgo- Vejo na certeza de que Deus continua a chamar trabalhadores para a Sua Messe. Ele não desistiu de fazer o chamamento. Julgo é que deixou de haver corações generosos que respondam positivamente a este chamamento. Hoje a questão vocacional é um grande desafio. Há uns tempos atrás falava com um grupo de pessoas em que uma me dizia que era perfeitamente normal, em tempos longínquos, um rapaz querer ingressar no seminário. Este desejo era aplaudido e adulado. Nos dias que correm, continuava a pessoa a comentar, alguém ir para o seminário é algo “anormal” e sair dele é tomado como algo natural.

Igreja Açores- Acaba de concluir um retiro `esquema zero´ do Movimento da Mensagem de Fátima. O que é que este retiro, com jovens crismandos, trouxe particularmente para a sua vivência da fé?

Nuno Fidalgo- Trouxe deste esquema zero a ideia da importância do elaborar de um projecto de vida. Tomei a consciência que é tarefa fundamental fazer, numa atitude de entrega e disponibilidade, um projecto de vida, devidamente elaborado e revisto com frequência. Este projecto ajudar-me-á a traçar objectivos, lutar por eles e equacionar a realização dos mesmos.

Igreja Açores- Daqui a poucos meses será ordenado sacerdote. O que muda na sua vida?

Nuno Fidalgo- O que penso que muda essencialmente é a responsabilidade que é estar a agir em nome da Igreja pela pessoa de Jesus. Muda, neste sentido, a leviandade com que assumia diversos papéis.

Igreja Açores- Como surgiu o desejo de ingressar no seminário e como foi o percurso?

Nuno Fidalgo- Desde muito pequeno que tinha comigo esta ideia. A par disso queria também ser professor e ainda piloto de avião. Isso para dizer que a descoberta da nossa vocação vai-se fazendo ao longo de tempo e que nem sempre temos claro aquilo que queremos ser. Entretanto frequentei a universidade, cursando sociologia, e a meio deste percurso dei pela insatisfação que era estar a fazer aquilo. Dentro de mim existia sempre a vontade da entrega ao sacerdócio. Na sequência disso abandonei a universidade e ingressei no seminário. Ora, a vida é marcada pela dúvida e o caminho do seminário não foi diferente. Estava eu no quinto ano do curso de teologia quando decidi fazer uma paragem para reorganizar ideias. Parei durante um ano e meio, regressando neste instante à universidade, e pude encontrar-me comigo e aceitar o chamamento de Deus sem rodeios.

Igreja Açores- As Furnas têm quatro seminaristas em Angra. Como interpreta isto?

Nuno Fidalgo- Vejo isto como fruto da escuta atenta da voz de Deus que se serve dos outros para se fazer comunicar. As Furnas são uma paróquia que vive a dimensão da fé com compromisso e afinco. Disso é exemplo as nossas famílias que são as impulsionadoras da resposta vocacional. Isto marca-nos com certeza. Depois também temos tido o testemunho dos párocos que por lá vão passando. Neste momento o nosso pároco é um homem que nos marca com a sua alegria, disponibilidade, serviço, entrega, carinho. É de facto um pastor que acolhe e anima. Este exemplo é decisivo. Por fim, e numa opinião muito pessoal, a envolvência paisagística que as Furnas têm, com as suas infindas belezas naturais, leva a que contemplando tudo isso nos deixemos extasiar pelo amor do Deus que tudo criou. A natureza luxuriante daquele vale faz-nos entrar em contacto com Deus e vivermos maravilhados por Ele. Este encontro gera o compromisso com Ele.

Igreja Açores- Como se auto-descreve?

Nuno Fidalgo- Sou uma pessoa tranquila, bem-disposta, acolhedora, responsável, amiga. Sou exigente comigo e com os outros. Prezo a justiça. Sou um apaixonado pela natureza e pela música.

Igreja Açores- Quais são as suas grandes preocupações?

Nuno Fidalgo- Preocupo-me em poder dar as respostas às necessidades das pessoas, das comunidades e isto só é feito com muita oração. Isto passa por uma panóplia de respostas a diversos problemas que assomem na sociedade hodierna. É um desafio enorme, para mim, estar atento aos sinais dos tempos que correm. Uma outra preocupação minha é que no meu modo de agir as pessoas possam ver o rosto da misericórdia de Deus, que eu seja dispensador do amor de Deus a todos.

Igreja Açores- O que o preocupa?

Nuno Fidalgo- O que me tira o sono é o desafio que é apresentar um evangelho que não muda a uma sociedade que muda. Temos neste momento a primeira geração de filhos de pais incrédulos e lidar com isso é verdadeiramente desafiante. Então, a tarefa de divinizar o homem para que ele possa ser de veras mais humano é algo que de certeza me tira o sono.

(Esta entrevista pode ser ouvida no domingo, dia 10 de dezembro, no programa de Rádio Igreja Açores, a partir do meio dia, no Rádio Clube de Angra e na Antena 1 Açores)

 

 

 

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