O problema se calhar não é a natalidade, mas o egoísmo

 

Foto: Igreja Açores/GM

Por Carmo Rodeia

Portugal é o país da União Europeia (UE) com a maior proporção de famílias só com um filho, revelou quinta-feira passada a Pordata, por ocasião do Dia Mundial da População, que se celebra anualmente a 11 de julho.

“É, aliás, um país de filhos únicos”, destacou a mesma fonte, referindo que apenas 27% das famílias tem crianças e, entre estas, quase dois terços tem apenas um filho.

Na União Europeia, as famílias numerosas (com pelo menos três filhos) representam 13% das famílias com filhos, “o dobro da proporção de Portugal (6%)”, segundo a mesma fonte.

As famílias monoparentais aumentaram 22% e o número de pessoas a viver só, aumentou 28%.

As estatísticas poderiam continuar a ser mencionadas e até teriam o seu interesse se o objetivo do artigo fosse esse, que não é.

Acrescento um outro dado, que me chamou a atenção, neste Dia Mundial da População e que foi o anúncio do Governo Regional de que tinha aprovado uma resolução que alargava o programa “Nascer Mais”, que apoia recém-nascidos, a todos os concelhos da Região Autónoma.

Estamos a falar de um apoio de 1.500 euros em produtos adquiridos em farmácias e que foi criado pelo executivo açoriano “considerando o problema do envelhecimento demográfico e a consequente desertificação de algumas zonas territoriais”, pode ler-se no comunicado do Conselho do Governo.

Com a medida pretende-se “criar estímulos à natalidade, de maneira a inverter a tendência de envelhecimento populacional que se tem verificado um pouco por toda a Europa”, prossegue ainda o dito documento que acrescenta que “a implementação deste programa tem-se revelado um importante instrumento para os jovens que decidam constituir e/ou alargar a família nuclear”, assume o Governo Regional, indicando que apesar dos resultados alcançados “serem muito positivos, verifica-se que ainda há um longo caminho a percorrer, no sentido de promover o desejado equilíbrio inter-geracional”.

Não me parece, honestamente, que alguém decida ter um filho porque sabe que pode candidatar-se a um apoio de 1500 euros, ou que esse apoio possa ter impacto da na decisão de um casal ficar na sua ilha, se for uma das mais pequenas só porque teve esse apoio. Sinceramente preferia ter lido que qualquer casal pode decidir ter em condições de segurança totais uma criança na ilha onde reside, situação que no século XXI ainda não é possível, pois só se nasce nestas condições em São Miguel, na Terceira ou no Faial.

Todos os apoios materiais à natalidade são bem vindos. E estes ainda por maioria de razão. Um filho sai caro e sabemos que muitos casais jovens adiam a paternidade por não terem condições materiais seguras para terem um filho. Mas a questão está longe de se esgotar no custo financeiro, senão antes ninguém teria tido filhos. As creches, a escolaridade obrigatória, depois a Universidade, a falta de perspetiva de trabalho são questões ponderosas que hão de ter o seu impacto na hora de decidir se há filhos ou não; se há um ou mais. O que se deveria questionar, contudo, é porque é que os governos não investem mais nos apoios à natalidade e às famílias, com políticas robustas, estruturais, em vários domínios que contenham o risco, real, do envelhecimento da população.

Mas se este é um `por maior´ desta questão, há outros aspectos que são igualmente importantes e que dependem essencialmente da vontade dos casais. Por isso, atrever-me-ia a dizer que o problema demográfico que existe em Portugal, e na Europa, não é apenas o  de haver ou não mais bébés por causas de questões económicas. O problema é, neste campo da natalidade como em muitos outros aspectos da vida,  o egoísmo, o consumismo e o individualismo, que tornam as pessoas realizadas, solitárias e infelizes, na maior parte das vezes impreparadas para acolher a ideia de ter um filho.

A vida de um filho é uma dádiva tal como a maternidade, com mais ou menos jeito, com mais certezas ou inseguranças, a verdade é que a vida humana é sempre uma dádiva de Deus.

Os lares, estão cheios de objetos e vazios de crianças, tornando-se lugares muito tristes.

Recentemente estive em Lisboa e por duas vezes tomei o pequeno almoço numa pastelaria, onde há aqueles menus agradáveis. À minha volta, não faltavam cachorrinhos nem gatos (até de trela!) e, isso, não tem mal nenhum, a fazer companhia aos donos, mas todos estavam sozinhos e eram jovens adultos na casa entre os 30 e os 40 anos. O que faltava ali, e que me chamou a atenção, e que continua a faltar cada vez mais, são as crianças.

Não quero fazer generalizações, e muito menos juízos de valor ou sequer interferir numa decisão que tem de ser individual e consciente, mas há um dado objetivo que deve ser lido com cautela pelos governos e pela Igreja: a idade média em Portugal situa-se nos 46,7 anos e cada vez nascem menos crianças e morre-se, felizmente, mais tarde. E isto é um problema que requer a atenção de quem governa.

Dentro de poucos meses entraremos no jubileu da Esperança, convocado pela Papa Francisco para o ano de 2025. Combater a baixa taxa de natalidade é uma alavanca da esperança; combater os elevados índices do egoísmo é aproximarmo-nos do amor de Deus.

Só colhemos o que semeamos e ultimamente não temos feito boas sementeiras. E a família está mais pobre, mais frágil e mais vulnerável. A própria Igreja precisa de cuidar melhor da família, da tradicional e de todas as formas de família emergentes, que sejam espaços de amor, como tanto tem defendido o Papa Francisco. O `todos, todos, todos´ também se aplica à família, seja a que foi constituída a partir do modelo de Nazaré, e que a Igreja deverá continuar a defender como sempre fez, seja outro modelo qualquer de família.

Reconstruir é também uma expressão da esperança e investir na família, privilegiar a família e ir ao encontro das famílias jovens para que esta dimensão generativa seja de facto vivida de forma mais alegre, é uma urgência. Do ponto de vista material mas também conceptual.

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