Voto que originou este Império “nasce das dores humanas como todos os Impérios que louvam o Divino” e cumpre 301 anos
No próximo sábado, logo pela manhã, junto à Capela do Divino Espírito Santo, do lugar da Silveira, na ilha do Pico vai formar-se o cortejo com as coroas e as insígnias, dispostas em quadras e os irmãos, e os seus convidados, partirão rumo à Igreja da Silveira para celebrar O Divino Espírito Santo, naquele que é o primeiro império do tempo de Pentecostes em toda a região, por ser o único que se celebra ao sábado.
“Julgo que seremos um dos impérios mais antigos e temos a coroa mais antiga dos Açores, que foi recuperada nos 300 anos deste império, assinalados no ano passado” disse ao sítio Igreja Açores Tomás Orlando Cardoso, presidente da Assembleia Geral do Império de Sábado da Silveira, que se prepara para acolher mais de 700 pessoas no Centro Social, a seguir à Missa de coroação, no próximo dia 18, para a designada função, composta por sopas do Espírito Santo.
“Estão todos convidados e se na primeira rodada não houver lugar para todos, faz-se uma segunda vez e ninguém fica sem comer a sopa do Espírito Santo” garante este irmão que coloca todo o enfase da festa “na partilha e na fraternidade”.
“Se recuarmos ao início deste voto, e deste império, verificamos que na sua origem estiveram dificuldades e foi a entreajuda entre os irmãos- a partilha dos que ficaram com alguma coisa e os que perderam tudo- que deu origem a tudo isto”, refere Tomás Cardoso, lembrando que “neste império não há imperador; somos todos irmãos”.
“Pode um ser escolhido para levar a coroa porque fez uma promessa mas somos nós todos que levantamos o Império e asseguramos o custo da partilha que fazemos”, enfatiza ainda.
Neste império distribuem-se mais de 2500 pães e nem quem está “acamado ou doente” deixará de comer a tradicional sopa.
“Este é o espírito do Divino Espírito Santo. O nosso voto nasce das dores humanas provocadas por um cataclismo natural. Muitos dos nossos antepassados ficaram sem nada. Quem conseguiu salvar alguma coisa partilhou e é com este sentido de partilha que continuamos aqui”.
Nas horas mais amargas da vida é ao Senhor Espírito Santo, que os homens do Pico ou de qualquer lugar dos Açores, entrega as suas lágrimas de dor, que se transformam em prece. Transcendendo a mera vertente religiosa, este culto assume-se como parte integrante da vivência social dos picarotos, marcando igualmente a sua cultura, nos mais diversos domínios: na palavra escrita, sob os vários géneros literários desde a poesia à prosa; na arquitetura dos vários impérios e altares existentes em toda a ilha; no trabalhar a pedra basáltica ou a tradicional calçada com motivos do Espírito Santo; na música, litúrgica e popular, coral e instrumental, principalmente dos foliões e filarmónicas; nas rendas e bordados, especialmente os estandartes e bandeiras lavrados por delicadas mãos; na pintura e na azulejaria; na toponímia das freguesias e vilas; até mesmo na ourivesaria própria das coroas do Espírito Santo, entre outros imensos aspetos que marcam a cultura deste povo ilhéu.
O voto que deu origem a este Império da Silveira data de 1720 altura, em que depois de uma forte crise sísmica, se criou o mistério da Silveira, no concelho das Lajes. Três anos depois foi erguido o Império que se assume hoje como um dos mais antigos da Ilha do Pico na cronologia do povoamento desta ilha. Todos os anos este Império organiza a sua festa cativando a presença de muitos forasteiros.
Na Silveira a presença dos foliões mantém-se intacta com duas gerações o que não acontece em muitos lugares. Outra particularidade deste Império são as sopas, para as quais toda a população é convidada e participa cantando “vivas e louvores ao Senhor Espírito Santo”, com cânticos próprios.
“O mundo precisa deste espírito de partilha. Quando olhamos à nossa volta vemos muita gente a falar em fraternidade, em humanidade mas vemos muito poucos a trabalhar nela no terreno e isso é assustador. Como temos uma guerra no coração da Europa; como temos tanta gente a morrer de fome… A mim assustam-me e por isso tenho pena que esta tradição de genuína partilha se possa perder” refere Tomás Orlando.
“A festa do Divino Espírito Santo não é um cortejo de vaidades, é partilha e só isso”, refere ainda.
No próximo dia 1 de junho, será lançado o livro com a história deste Império de Sábado da Silveira que agora tem duas Irmandades: a Irmandade do Império de Sábado e a irmandade do Império de Domingo da Trindade.
Ao todo, no Pico, 45 Irmandades que celebram o Espírito Santo sobretudo entre o Pentecostes e a Trindade.
O culto ao Divino Espírito Santo é uma das marcas da religiosidade popular açoriana.
Na ilha Terceira, este culto está documentado desde 1492, quando faziam o Império e se distribuía o bodo, no dia de Pentecostes, à porta de uma capela do hospital do Espírito Santo. Mesmo nos tempos de maior dificuldade, e de oposição da própria hierarquia, o culto nunca deixou de ser celebrado nos Açores. Hoje são os próprios papas que elogiam “o sopro do Espírito santo”, como uma “nova primavera para a Igreja”, como afirmou São João Paulo II.
Também o Papa Francisco sublinha que a celebração do Pentecostes representa “o antídoto para o frenesim contemporâneo” e que este este é o momento de dizer” Vem, vem Espirito Santo vem. Aquece o meu coração”.
O dia dos Açores é assinalado na segunda-feira de Pentecostes.
O Dia dos Açores foi instituído pelo parlamento açoriano em 1980, visando celebrar a autonomia política e administrativa da região, sendo celebrado na segunda-feira do Espírito Santo.