Por Renato Moura
Deus chamou a Si, há dias, um meu amigo, pouco mais velho. Custou-me muito. A amizade consolidou-se, basicamente, por quanto o admirei presencialmente em actividades nas quais ele não obtinha qualquer provento. A perda não é só enorme para a família, nem para mim e para os outros amigos, mas fundamentalmente para a comunidade; e não apenas a da Vila das Lajes das Flores.
Este facto não vem aqui pela amizade. Há pessoas que deixam exemplos de disponibilidade – e não só – que é justo realçar, mas principalmente por constituírem bons exemplos que motivem deveres de participação activa na comunidade em que estamos inseridos.
Tratava-se de um homem com a escolaridade mínima do seu tempo e ainda como criança aguentou trabalho árduo. Pela vida fora fez-se a todo o tipo de trabalho no campo, também no mar, arreando à baleia ou sendo pescador. Trabalhou na descarga de navios, foi carteiro, para citar só alguns exemplos. Era cabeça de uma família numerosa e teve de gerir bem os parcos recursos.
Serve isto principalmente para dizer que, apesar de tudo, sempre teve disponibilidade para participar em variadíssimas actividades comunitárias. Integrou, como praticante, equipas de futebol e filarmónicas, pertencia ao grupo de foliões, participava como tocador nas danças de carnaval. Foi dirigente de colectividades, integrou equipas de realização de festas e de angariação de fundos para a Igreja. Foi Cabeça de Espírito Santo, participou com grande relevo e esmero na confecção de inúmeros jantares de Espírito Santo em variadas freguesias e locais, há anos já com sacrifício, pela falta de saúde, mas sempre com muita dedicação e entusiasmo; e nas Lajes, em Dezembro, no de Nossa Senhora da Conceição, confessou que queria que o deixassem trabalhar, pois que tinha consciência que seria o último connosco; e foi!
Porventura mais relevante que tudo é a circunstância de organizar a sua vida para participar (saberia Deus e ele com que sacrifício), sem se queixar do peso, sempre feliz e motivador de alegria para todos os companheiros. Adorava brincar e contar histórias, mas era admirável o respeito que mantinha pelas pessoas e a consideração que tinha junto de todos, bem valorizada no espantoso número de pessoas que o acompanharam até à última morada.
Chamava-se Ramiro. Viveu e morreu pobre. Deixou exemplo: pode-se ter outro nome, ou condição, ser preto ou amarelo, mas ficar-se memorável pela desinteressada disponibilidade e pela respeitabilidade, que, quando se dá, com naturalidade, também se recebe sem pedir.