O Papa: ainda há resistências na Igreja, mas a porta está sempre aberta a todos

Foto: Vatican News

Revelado conteúdo da conversa entre os membros da Companhia de Jesus em Portugal e o Papa, no encontro tido a 5 de agosto, em lisboa

Quase um mês depois do encontro, a revista La Civiltà Cattolica  e o Ponto Sj revelam as linhas condutoras da conversa tida entre Francisco e os membros da Companhia de jesus, em Portugal no encontro que mantiveram no passado dia 5 de agosto, em Lisboa.

Segundo as duas publicações tratou-se de uma “uma conversa espontânea”, intercalada com perguntas, na qual o Pontífice expressa preocupação com as guerras, reitera o apelo para dar a “todos” um lugar na Igreja, incluindo homossexuais e pessoas trans, e reitera que o Sínodo não é uma “invenção” sua nem uma “busca de votos”.

Na conversa, o Papa amplia seu olhar para a sociedade atual, que ele vê como excessivamente “mundanizada”, algo que o preocupa muito, sobretudo “quando a mundanidade entra na vida consagrada”.

Francisco recordou a recente missiva que dirigiu aos sacerdotes de Roma, na qual adverte contra o clericalismo e o mundanismo espiritual como armadilhas nas quais se deve evitar cair.

“Uma coisa é se preparar para dialogar com o mundo… outra coisa é se comprometer com as coisas do mundo, com a mundanidade”, enfatiza, exortando mais uma vez à leitura das quatro páginas finais da Meditação sobre a Igreja, na qual De Lubac afirma que a mundanidade espiritual “é o pior mal que pode penetrar na Igreja, pior até do que a época dos Papas ‘libertinos'”.

Não ceder ao mundanismo, entretanto, não significa não dialogar com o mundo, advertiu o Papa: “Não se pode viver em conserva”.

“Vocês não devem ser religiosos introvertidos, sorrindo para dentro, falando para dentro, protegendo o  seu ambiente sem convocar ninguém”. Pelo contrário, é preciso “sair para este mundo”, com os valores e desvalores que ele tem. Entre eles, o de uma vida demasiadamente “erotizada”.

Ainda sobre a questão da sexualidade, o Papa reitera o apelo para acolher as pessoas homossexuais na Igreja.

“É evidente que hoje a questão da homossexualidade é muito forte, e a sensibilidade a esse respeito muda de acordo com as circunstâncias históricas”, esclarece.

“Mas o que não me agrada nem um pouco, em geral, é que olhemos para o chamado ‘pecado da carne’ com uma lupa, assim como se fez por tanto tempo com relação ao sexto mandamento. Se se explorava os trabalhadores, se mentia ou trapaceava, isso não importava e, em vez disso, os pecados abaixo da cintura eram relevantes.”

“Todos são convidados” na Igreja, repete Francisco, “a atitude pastoral mais apropriada deve ser aplicada a cada um. Não se deve ser superficial e ingénuo, forçando as pessoas a fazer coisas e adotar comportamentos para os quais elas ainda não estão maduras ou não são capazes. Acompanhar as pessoas espiritualmente e pastoralmente requer muita sensibilidade e criatividade. Mas todos, todos, são chamados a viver na Igreja: nunca se esqueçam disso”.

Durante o encontro no Colégio de São João de Brito não faltaram perguntas mais pessoais sobre o Sínodo. Francisco responde de imediato: “A alegria que mais tenho em mente é a preparação para o Sínodo, mesmo que às vezes eu veja, em algumas partes, que há falhas na maneira como está sendo conduzida. A alegria de ver como, a partir dos pequenos grupos paroquiais, dos pequenos grupos de igrejas, surgem reflexões muito bonitas e há um grande fermento. É uma alegria”.

“O Sínodo não é uma invenção minha”, o Papa Francisco faz questão de dizer, lembrando que foi Paulo VI, no final do Concílio, “que percebeu que a Igreja católica havia perdido a sinodalidade”. Desde então, houve um “progresso lento” e, às vezes, “de maneira muito imperfeita”. Hoje, portanto, há uma tentativa de dar novo vigor à sinodalidade, que, esclarece o Pontífice, “não está indo em busca de votos, como faria um partido político, não é uma questão de preferências, de pertencer a este ou àquele partido”. Em um Sínodo – insiste – o protagonista é o Espírito Santo. Ele é o protagonista. Portanto, devemos nos assegurar de que é o Espírito que guia as coisas”.

As tensões intra-eclesiais foram outro tema principal da conversa. Portanto, o “indietrismo”, a “atitude reacionária” em algumas realidades eclesiais e a resistência ao Concílio Vaticano II.

“Muitos colocam em discussão o Vaticano II sem nomeá-lo. Questionam os ensinamentos do Vaticano II”, diz o Papa.

“Também a doutrina progride, se consolida com o tempo, se expande e se torna mais firme, mas sempre progredindo”. Os exemplos da história são concretos: “Hoje é pecado possuir bombas atômicas; a pena de morte é um pecado, não pode ser praticada, e antes não era assim; quanto à escravidão, alguns Pontífices antes de mim a toleravam, mas hoje as coisas são diferentes. Então se muda, se muda, mas com esses critérios”.

“Para cima”, é a imagem que o Papa usa em seguida. “A mudança é necessária”, repete ele; depois acrescenta: “A visão da doutrina da Igreja como um monólito está errada. Mas alguns saem fora, voltam para trás, são o que eu chamo de ‘indietristas’. Quando se retrocede, forma-se algo fechado, desconectado das raízes da Igreja e perde-se a seiva da revelação”.

A advertência do Papa é clara: “Se você não muda para cima, você retrocede, e então assume critérios de mudança diferentes daqueles que a própria fé lhe dá para crescer e mudar. E os efeitos sobre a moral são devastadores”. Os problemas que os “moralistas” devem examinar hoje são, para o Pontífice, “muito sérios”; o risco é ver a ideologia suplantar a fé: “Pertencer a um setor da Igreja substitui a pertença à Igreja… E quando na vida você abandona a doutrina para substituí-la por uma ideologia, você perdeu, perdeu como na guerra”.

(Com Vatican News)

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