O pão repartido e comungado

 

Foto: Igreja Açores/GM

Por Carmo Rodeia

Deus é a verdade e a luz que ilumina todo o entendimento. Assim, de forma simplista, se pode resumir a catrefada de volumes que formam a “Suma Teológica”, principal livro escrito por São Tomás de Aquino e que ainda hoje é de consulta “obrigatória” para os estudantes de teologia, no qual procura uma aproximação sobre aquilo que pensa que é Deus, que se dá na Eucaristia.

 

São Tomás de Aquino reconhece a ação da “graça redentora” trazida por Jesus na ação humana, que, além de seus benefícios espirituais, tem implicações para a compreensão da dinâmica de uma ordem social sólida fundada na reconciliação, na solidariedade, na justiça e no cuidado mútuo.

 

Nenhum outro sacramento é mais salutar do que a Eucaristia. Nela, os pecados são destruídos, crescem as virtudes e a alma é plenamente saciada de todos os dons espirituais, refere o doutor da Igreja.

 

Esta quinta-feira, 60 dias depois da Páscoa, celebra-se a solenidade do Corpo e Sangue de Cristo, vulgarmente designada como Corpo de Deus.

 

A sua celebração pretende sublinhar o significado e a importância do sacramento da Eucaristia para a vida cristã e todos nós somos convidados a reafirmar a nossa fé nesse mistério da morte e ressurreição de Jesus, que comunicando o amor que Deus é, concede a salvação a toda a humanidade.

 

O Papa Urbano IV, na Bula Transiturus de hoc Mundo, na qual institui esta celebração, sublinha que: “Embora a Eucaristia seja celebrada solenemente todos os dias, na nossa opinião, é justo, que, pelo menos uma vez por ano, se lhe reserve mais honra e solene memória”.

 

A Solenidade Litúrgica do Corpo e Sangue de Cristo começou a ser celebrada há mais de sete séculos, em 1246, na cidade de Liège, na atual Bélgica, tendo sido alargada à Igreja latina pelo Papa Urbano IV através da bula ‘Transiturus’, em 1264, dotando-a de missa e ofício próprios, como já assinalei.

Na origem, a solenidade constituía uma resposta a heresias que colocavam em causa a presença real de Cristo na Eucaristia, tendo-se afirmado também como o coroamento de um movimento de devoção ao Santíssimo Sacramento; terá chegado a Portugal provavelmente nos finais do século XIII e tomou a denominação de Festa de Corpo de Deus.

Os últimos papas têm sublinhado como notas dominantes desta festa, que se assinala sempre na primeira quinta-feira imediatamente a seguir à Trindade, evocando a Quinta-feira Santa, a caridade, a comunhão, a universalidade e a unidade.

“Encontrai na Eucaristia, mistério de amor e de glória, aquela fonte de graça e de luz que ilumina os caminhos da vida”, pediu Francisco em 2021, quando a Igreja celebrava sobretudo nas redes digitais por causa da pandemia provocada pelo Covid 19.

“Que o Corpo e o Sangue de Cristo sejam para cada um de vós presença e apoio no meio das dificuldades, sublime conforto no sofrimento de cada dia e penhor de eterna ressurreição”, declarou então.

“A Eucaristia, presença salvífica de Jesus na comunidade dos fiéis e seu alimento espiritual, é o que de mais precioso pode ter a Igreja no seu caminho ao longo da história” afirmou por seu lado o Papa João Paulo na encíclica Ecclesia de Eucharistia.

Esta quinta-feira, somos chamados a viver esta Solenidade. Pelo menos na Povoação, na ilha de São Miguel, é a festa maior do concelho, juntando na Vila todas as pessoas. Em muitas outras paróquias celebra-se a primeira comunhão de centenas de crianças por esses Açores fora. Oxalá possamos viver a festa para além das flores que animam coloridos tapetes por onde passará o Santíssimo.

 

Um dos futuros novos santos da Igreja, o jovem Carlo Acustis, morto por uma leucemia aos 15 anos, afirmava que quem se expunha ao sol ficava bronzeado mas quem participava na Eucaristia tornava-se mais santo. Desde que celebrou a sua primeira comunhão com nove anos nunca mais deixou de ir à Missa e mesmo quando não conseguia comungar presencialmente comungava espiritualmente. A Eucaristia, dizia, era uma espécie de estrada para o Céu.

 

Partilho com todos os leitores um dos muitos textos do Cardeal Tolentino Mendonça sobre a Eucaristia: “Todas as vidas reentram na imagem diária, quase banal, do pão que é partido e repartido. Porque as vidas são coisas semeadas, que crescem, amadurecem, são colhidas, trituradas, amassadas: são como o pão.

 

Porque não apenas nós saboreamos e consumimos o mundo: dentro de nós damo-nos conta que também o mundo, o tempo, nos consome, esboroa, devora. Por boas e por más razões, ninguém permanece inteiro.

 

Somos uma massa que se rasga, um miolo que se desfaz, uma espessura que se reduz, um alimento que é distribuído. A questão é saber com que consciência, com que sentido, com que intensidade vivemos este processo inevitável(…) Para nós, cristãos, a Eucaristia é o lugar vital da decisão sobre o que fazer da nossa vida. Porque todas as vidas são pão, mas nem todas são “eucaristizadas”, ou seja, configuradas em Cristo e assumidas, no seu seguimento, como entrega radical de si, oferta, dom vivo, serviço de amor incondicional.

Todas as vidas chegam a uma conclusão, mas nem todas chegam à conclusão do parto desta condição crística que trazem inscritas dentro de si. É destas coisas que a Eucaristia diariamente nos fala quando nos recorda: «Fazei isto em memória de mim»”.

 

Esta quinta-feira, particularmente, poderíamos refletir sobre isto. No dia seguinte começa em Braga o V Congresso Eucarístico Nacional, cem anos depois do primeiro. É no pão repartido e comungado, tema do encontro, que nos dizemos parte desta grande família que se acha de Cristo.

 

 

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