Pelo padre Hélder Miranda Alexandre
O documento de preparação para o próximo Conselho Presbiteral deixa aos nossos padres uma questão provocadora, mas muito feliz. “Um jovem um dia perguntou a um padre: Padre, acreditas em Deus?”
Algum dos nossos cristãos podem escandalizar-se com as dúvidas e descrenças dos seus padres, mas as suas incertezas e fragilidades não se podem disfarçar. Como escreveu Santo Agostinho “atemoriza-me o que sou para vós; consola-me o que sou convosco. Pois para vós sou Bispo; convosco sou cristão. Aquilo é um dever; isto, uma graça. O primeiro é um perigo; o segundo, salvação”. Se o sacerdote é guia, também é irmão, e também tem o direito de ir atrás do seu povo, não só para empurrar as ovelhas mais desgarradas ou mais frágeis, mas porque também se sente uma delas. Se Cristo se fez último, também o padre faz essa experiência.
O jesuíta francês Jean Daniélou escreveu que o cristão é um pagão semi-batizado. O batismo não é um automatismo, é um caminho de deserto cuja direção eu escolho, em dúvidas e certezas, como um rio que escava o seu leito, lenta e duramente, num terreno duro e pedregoso. Na verdade, a fé faz-se de experiências. Se muitos crentes sentem a emoção e a segurança da experiência de Deus, grandemente apoiada numa sã tradição, não só da comunidade, mas também do próprio percurso, também é certa a experiência da ausência de Deus, a crueldade do vazio e do esquecimento. Aí encontro o meu amigo não crente, o homem das dúvidas, que comunga com Nietzsche e com os mais incrédulos ateus. Isto não significa um solene funeral de uma Igreja moribunda ou sem fé. É apenas história, que se pode revestir de um sofrimento tremendo, mas também de uma centelha de esperança.
Teresa de Lisieux, cuja vitalidade de fé lhe mereceu o título de doutora da Igreja, no último ano de vida, sentiu a amargura da lonjura de Deus. Sentou-se à mesa para partilhar o pão dos irmãos ateus, como confirma o seu biógrafo Jean-François Six. Não se colocou acima deles, mas estava convencida de que o próprio Jesus “a levou à mesa dos descrentes”.
A experiência da ausência de Deus é comum a crentes e não crentes. Se a noite escura da fé é causa do anseio de Deus para crentes, para os ateus é prova da sua inexistência. Contudo, também esses procuram para além das imagens, das instituições, das ideias transitidas. Sem juízos de valor, muitos procuram o mistério, batendo a diversas portas. Alguém dizia “estou farto de ateus, estão sempre a falar de Deus”. Talvez fazem um caminho mais sério e profundo do que muitos crentes. Pode-se intuir uma certa espiritualidade sem um credo ou religião. O seu percurso é um desafio para os crentes, o de tomar a sério o não-saber, quase apofático. Talvez se quer muito rapidamente alcançar uma segurança, estruturada em ritos e linguagens, perdendo o fascínio do mistério e a inquietação da ausência. Talvez esta linguagem necessite mais perguntas e menos certezas, para que a fé seja mais caminho e menos instalação. Não nos apressemos a interpretar toda a realidade, na arrogância de saber comer do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal, mas abandonemo-nos à experiência do indescritível. O namoro só é belo quando é caminho, porque depois de culminado corre o risco severo do esgotamento e da falta de fascínio. Será o terreno fértil para os ídolos, que realmente Deus não suporta. Nada pior do que uma imagem de Deus sem nada de verdadeiramente humano.
Abraço-te irmão não crente, companheiro de um Deus deturpado, erradamente humano, grita em mim a tua dúvida, para que juntos toquemos o mistério. Não te mato em mim. Fazes-me bem! Mas também te abraço fortemente irmão crente, porque me dás esperança e me enches de paz.
Na verdade, a procura do divino é encontro com o bem e com o belo. Como escreve Tomáš Halík, «“Porque é que não abandonou a Igreja? Perguntaram os leitores a um escritor americano, autor de uma série de romances críticos sobre os meios sacerdotais, e tão severos, que só um grande amor profundamente ferido era capaz de os publicar. “Porque a Igreja tem histórias muito belas”, respondeu ele». No fundo, o bom e belo Deus continua a seduzir!