Pelo Pe. Teodoro Medeiros, em Roma
Na origem, chamava-se de “sistema Stanislavski”: orientações para os atores de teatro, especialmente na fase pré-filmagens, que iam além da mera técnica, centrando-se nas dimensões psicológica e emocional. O próprio Stanislavski viveu no início do século XX e nunca trabalhou em cinema: foi em Nova Iorque, em 1931, com o “Teatro Grupo” que a nova sensibilidade atravessou e conquistou o outro lado do Atlântico.
Na América, o grande pioneiro foi Lee Strasberg, também ele ligado ao Teatro, colaborador no célebre “Actors Studio” (sic) e criador do “Lee Strasberg Theatre and Film Institute”. O conceito passou a chamar-se “Method acting”: em resumo, exprimir emoções o mais reais possíveis.
Na sua preparação para um papel, estes atores imergem-se no personagem, procurando quase identificar-se com ele, ainda que a caraterística principal seja outra: o objetivo é canalizar as próprias memórias de vida para a representação, de modo a que o ator possa exprimir emoções verdadeiras. São verdadeiras porque são suas. Apesar disso, o famoso hábito de manter-se “in character” com as câmaras desligadas não faz parte do método.
Curiosamente, o escritor clássico Aulo Gellio narra o caso de um ator da Grécia clássica que parecia empregar o método bem antes do séc. XX: trata-se de Polos que na tragédia “Electra” de Sófocles, devia exprimir a dor da perda de um irmão. Polos representou o lamento da peça enquanto segurava a urna com as cinzas do próprio filho morto recentemente.
O método é muito discutido nos dias de hoje: há quem o critique impiedosamente, quem rejeite e quem o ridicularize pelos extremos a que submetem alguns atores. Situações como a de Christian Bale, que emagreceu até contornos cadavéricos para um papel, ou De Niro que chegou a ter problemas de saúde por razões semelhantes são tão admiráveis como repugnantes.
Como defender o método? Em primeiro lugar, dá Óscares; e depois, qualquer lista que tenha Marlon Brando, James Dean, Al Pacino, Daniel Day Lewis e Dustin Hoffman, entre outros, e um realizador como Elia Kazan não pode não impor respeito. Não quer isto dizer que não se reconheçam excessos: a um Dustin Hoffman que fez direta(s) para reproduzir as condições da estória, Laurence Olivier perguntou: -“Porque não experimentas representar?”
Por outro lado, não são esses desmandos a definir o método, ou sequer as explosões de fúria que imortalizaram James Dean: tomemos o exemplo do que Brando fez trabalhando com Elia Kazan. “Viva Zapata!” vê o ator na pele do revolucionário mexicano que lutou pelos direitos dos camponeses e o personagem é muito calmo… mas nem por isso menos intenso.
Em que ficamos então? Nem todas as situações limite levam a explosões de raiva ou gemidos de dor: se se definisse o método a partir de Zapata, o trabalho do ator consiste sobretudo no retratar da alma. Para consegui-lo, precisa de deixar-se possuir pelo espírito dos conflitos interiores e das súbitas perceções existenciais que marcam as grandes decisões.
Daí se depreende que um ator não é nada sem um argumento e uma caracterização psicológica que lhe dê a sua missão. Quando Zapata na noite de núpcias pede que se reduza o barulho dos ébrios festejos, o que pretenderá?, perguntamos a nós mesmos. Emiliano quer que Josefa o ensine a ler.
É um truque, porque o verdadeiro Zapata sabia de facto ler, mas o efeito é tremendo: o revolucionário guerrilheiro sabe que para ser um bom líder não pode pedir aos seus companheiros que lhe leiam as cartas que recebe. Não é o ator quem escreve o texto, logo, o método não prescinde nem suplanta os outros elementos.
A dizer a verdade, o filme quer mesmo apresentar um Zapata messiânico, um Cristo sofredor que revoluciona para proteger os mais fracos, um homem que aplica dolorosamente a si os seus princípios, um mártir da própria consciência. Nem falta a paixão redentora e a ressurreição laica do homem que vale mais do que a sua existência empírica (dando outra vez forma a um mito não histórico).
Não é magnífico? Algo de semelhante acontece com o mais conhecido “Há Lodo no Cais”: quando Terry tem de se pôr de pé no meio das suas dores, ele é o seu próprio Cireneu e o seu sofrimento tem um valor salvífico. Foi necessário que ele sofresse para que muitos pudessem ser libertos do mal: quando ele se levanta e atravessa a porta da fábrica, um novo mundo nasce.
Mas voltemos a Zapata que esse sim, é um filme injustiçado: se não fosse por outra razão, porque tem a subtileza e o humor que “Lodo” rejeitou. O primeiro encontro com Josefa dá-se à socapa dentro da igreja, na hora do terço (enquanto o irmão, o mexicano Anthony Quinn cobre a boca da criada). Josefa rejeita Zapata, despreza-o, fá-lo zangar-se, pede-lhe para voltar quando for rico. Quando ele sai, as 2 mulheres conversam:
Criada: -Gosto dele!
Josefa: -Sim!?
Criada: -Quer dizer… ele é um homem terrível: um fugitivo, um criminoso!
Josefa: -Eu também gosto dele!
Isto depois de ter repetido ao mesmo homem “cedo ou tarde vais ter de dormir” quando ele disse que a podia levar à força (apontando uma longa agulha ao coração dele).
Há algum outro filme com diálogos assim?