Clarissa há 45 anos, é a mais nova de uma comunidade de seis religiosas, que vivem nas Calhetas, ouvidoria da Ribeira Grande, o único mosteiro de clausura na diocese de Angra
As seis irmãs Clarissas, do Mosteiro de Nossa Senhora das Mercês, nas Calhetas, ouvidoria da Ribeira Grande, começam a viver mais intensamente a festa do Natal a partir deste sábado com o inicio da Novena do Menino Jesus. Todos os dias até ao dia 24 de dezembro, rezam de manhã, bem cedo, preparando-se para a chegada do Menino, no dia 24, quando celebram a “Calenda”, um “anúncio de que o Salvador nasceu e veio para todos”.
“É um momento muito lindo. Estamos todas na Capela, a irmã sacristã retira o Menino da grade e cantamos em Latim que Jesus nasceu”, afirmou ao sítio Igreja Açores a irmã Maria do Rosário, 63 anos de idade, há 45 anos Clarissa neste Mosteiro de clausura.
“O período do Natal é de muito silêncio, de preparação para esta chegada. Rezamos e fazemos silêncio porque nos queremos preparar bem” adianta a religiosa nascida e criada nas Calhetas de Rabo de Peixe, onde se situa o Mosteiro, e que um dia queria ser professora ou então enfermeira, “era o desejo dos meus pais”.
Além da novena do Menino Jesus, há ainda o “Agasalho”, uma celebração comunitária no dia 23 de dezembro onde todas as irmãs participam reconstruindo essa viagem de Maria e José em busca de lugar para ficarem.
“A madre leva a imagem de Nossa Senhora, outra irmã a de São José e vamos batendo a todas as portas que nunca se abrem, até chegarmos ao coro. Fazemos diálogos em verso entre nós, recriando e lembrando o que Maria e José passaram sem que alguém lhes desse um lugar para ficar. Até que chegamos ao coro e aí a porta abre-se e nós rejubilamos” disse a religiosa.
A novena do Menino Jesus; o “Agasalho” e a “Calenda” são, assim os três momentos de preparação do Natal. Na noite , a Capela de Nossa Senhora das Mercês abre as portas para acolher todos os que participam na eucaristia que assinala o nascimento de Jesus.
“Vem muita gente e a Igreja fica cheíssima” diz a irmã Maria do Rosário.
“É nesta altura que temos mais gente aqui no mosteiro” refere ainda.
“Vem gente de Rabo de Peixe, das Calhetas, de Ponta Delgada… famílias inteiras e depois da missa é uma festa”.
É um dos momentos em que estas religiosas têm mais contacto com o mundo. O outro é por ocasião da festa da sua fundadora.
“Quando fazemos o noviciado e professamos os primeiros votos, recebemos o véu negro que significa a nossa morte para o mundo, e a entrega a Deus, que se confirma nos votos perpétuos, três anos depois, em que recebemos o anel” explica a irmã Maria do Rosário, que lamenta a falta de entusiasmo dos jovens de hoje por “ouvirem o que Deus quer para eles”.
“Acho que é o principal problema que determina tanta falta de vocações para a Igreja. Estamos muito focados na nossa opinião e não ouvimos o que Deus quer para nós” lamenta, ao lembrar uma visita que as Irmãs Clarissas receberam de um grupo de jovens do 12º ano.
“Falei da minha vocação e depois perguntei-lhes porque é que não queriam fazer esta experiência. A resposta diz tudo` lá fora temos tudo o que queremos´. Fiquei assim… de facto é bom ter um carro, uma casa, uma família mas será isso que nos faz felizes? Deus é amor e quer o nosso bem; e nem sempre o que Ele quer para nós é o mesmo que nós queremos. Se calhar é por isso que há tantos problemas…” reflete a religiosa.
E prossegue : “A pergunta fundamental que devemos fazer na juventude é o que é que Deus quer de nós? Porque hoje temos tudo o que queremos; o mundo dá-nos o que queremos, mas será suficiente? Julgo que não. Deus quer sempre o melhor e nem sempre o melhor é aquilo que nós queremos…a Palavra de Deus, a Sua manifestação é muito importante. Às vezes temos de ultrapassar barreiras, mesmo dentro da nossa família. E a minha não foi diferente…Porque temos dificuldade em deixar a família. O que ressoava em mim era: procura em primeiro lugar o reino de Deus e o resto te será dado e quando deixamos que Ele nos ajude a discernir é tudo mais fácil”.
Neste ano, em que se assinalam os 800 anos do primeiro presépio, pensado por São Francisco de Assis, contemporâneo de Santa Clara, fundadora das Irmãs Clarissas e a primeira mulher a escrever uma Regra sobre o “privilégio da pobreza” e do ardente desejo de “observar o Evangelho”, o presépio também volta a ganhar uma importância maior no Mosteiro.
“Não há lugar onde não façamos o presépio” diz a Ir. Maria do Rosário. “Até na despensa”, adianta, destacando que é nas celas de cada uma das irmãs que se fazem os presépios mais aguardados do Natal.
“Cada uma faz o seu e só o vemos no dia de Natal quando visitamos todas as irmãs e depois elegemos (à maneira do mundo… sorri) o melhor… É muito bonito este Dia de Natal” conclui.
“O Menino Jesus é o mais importante e nenhum é igual ao outro. Ele como que fala à gente. Este ano o Menino diz-me abraça-me…Há muitos problemas, as pessoas precisam de ajuda sobretudo que as escutem. Precisamos de silêncio e oração para ouvir os outros, tendo presente sobretudo as crianças e os pais as famílias dos países que estão em guerra” diz ainda, enquanto a conversa vai fluindo e a preocupação é brindar a convidada com alguma coisa.
“Vou buscar umas broas de mel, feitas segundo uma receita das irmãs da Madeira. São muito boas; é o que oferecemos aos nossos benfeitores e amigos nesta altura. É uma grande empreitada pois fazemos muitas fornadas” diz contente e orgulhosa da partilha.
“Nós repartimos com quem precisa o que nos dão, mas estas broas são especiais. Sabem a mel de cana”.
O Mosteiro das Clarissas é um dos 10 que pertence à federação nacional; todos têm autonomia mas regem-se pelas mesmas constituições. É raro haver mobilidade entre mosteiros mas todas “nos conhecemos pois as novas tecnologias permitem que nos encontremos por zoom”.
“Afinal a vida no Mosteiro não é assim tão monótona, pois não? Fico com pena de que pensem o contrário” refere ainda a religiosa que possui uma alegria e uma genica invejáveis, quebrada apenas quando fala da “irmã Teresinha, uma mãe para mim”. Faleceu em novembro.
Nesta reportagem, o Sítio Igreja Açores gravou um “postal” de boas festas do Convento para todos os Açorianos. A autora é a Irmã Verónica, a madre abadessa deste mosteiro.