Por Pe Hélder Miranda Alexandre
Nestes dias em que celebrámos os mistérios da Paixão, Morte e Ressurreição do Senhor, certamente nos identificámos mais ou menos com as atitudes das várias personagens dos relatos evangélicos. Incomoda-me profundamente o medo dos discípulos.
No momento em que Jesus foi levado ao Palácio do Sumo Sacerdote Anás, Pedro ficou à porta, de fora. Interrogado pelos presentes acabou por negar que era Seu discípulo. Aí acabou toda a sua coragem, o carácter primário e sempre pronto. Desaparece no momento mais difícil. Simplesmente encheu-se de medo. Abafou o amor que prometera ao Mestre. Ao contrário do discípulo predileto. Esse sim, sempre presente… na última Ceia, no julgamento, no alto da cruz e no sepulcro vazio: «viu e acreditou». Nunca teve medo, porque amava profundamente o Mestre. Também a Mãe de Jesus, aí esteve, de pé junto à Cruz, porque amava.
Quando o Senhor aparece aos seus, novamente os encontramos com medo das autoridades judaicas, com as portas fechadas. O amor ainda não vencera o medo dos seus corações. Faltava o Pentecostes. Talvez não amassem ainda o suficiente!
O mesmo acontece no coração de um jovem que se enamora, mas que ainda está vencido pelo medo de enfrentar os obstáculos. O seu coração estremece enquanto não conquista o coração que ama. Somente com amor autêntico se quebram distâncias e problemas: da própria família, do trabalho, dos amigos, das instituições… O amor vence medos. A oblatividade não suporta um “mas” que serve de desculpa para não lutar. Ou se dá tudo e todo ou não se dá.
O Digesto de Justiniano definia o medo como mentis trepidatio perante um mal presente ou futuro. Não é por acaso que o medo até pode ser impedimento do matrimónio, desde que uma das partes escolha o matrimónio para se libertar desse medo. Se o amor permanece na fidelidade que o caracteriza não pode sobreviver a um medo grave.
No início do seu pontificado, o Papa São João Paulo II gritava a plenos pulmões: «Não tenhais medo, abri as portas a Cristo, aliás, escancarai as portas a Cristo»! Mostra uma forma de encarar a vida que devia servir de exemplo a todos os que esquecem valores e vendem a alma a qualquer um que lhes apareça com 30 moedas de prata.
Se os discípulos de ontem sentiam medo, também os de hoje o sentem. Mas esses medos não os podem impedir de amar. Uma comunidade de amor como é a Igreja não pode orientar-se por medos. Parece-me que andamos a calcular demais, e a arriscar de menos.
Os irmãos nossos que são martirizados às centenas em terras da Síria, do Iraque ou do Quénia têm maiores razões que nós para temer, mas não deixaram de celebrar a Páscoa! Um dia destes, recebi um vídeo comovente de um grupo de crianças refugiadas do Iraque que faziam a procissão de ramos, abanando-os com as suas frágeis mãos. Uma Igreja perseguida e que luta com o seu sangue contra os que violentamente alimentam medos bem reais e cruéis. Mas isso não os impede de amar!
Quanto testemunho para os cristãos de cá! Parece-me que simplesmente não amamos ou amamos pouco (oxalá esteja enganado)!