Por Carmo Rodeia
Hoje é dia catorze de agosto, sexta-feira, memória litúrgica de São Maximiliano Maria Kolbe, sacerdote, morto pelos nazis no campo de concentração de Auschwitz, em 1941.
O padre Kolbe fazia parte de um grupo de prisioneiros polacos no campo nazi de Auschwitz, a quem foi reservada uma morte particularmente sádica: fechados numa cela pequena, sem ventilação e quase sem luz, para morrerem de fome e de sede. Poderíamos perguntar: que mal fizeram para merecer tal sorte e que justiça foi esta que os condenou?
Kolbe, tal como todos os judeus, foram vítimas de um ( não foi o único!) dos mais hediondos crimes cometidos contra a humanidade, no livre arbítrio de um regime, delineado por um louco xenófobo, e assente numa cadeia de comando baseada nas armas e no terror, debaixo de um silêncio cúmplice de todos os que não o conseguiram exterminar mais cedo, por esta ou aquela razão.
Recuo dois dias nesta semana, altura em que veio a publico a denuncia de um email enviado a dirigentes de organizações e a titulares de órgãos políticos por elementos da auto-proclamada extrema direita portuguesa- Nova Ordem de Avis e Resistência Nacional- com ameaças de morte por serem antirracistas e antifascistas. Embora o caso esteja a ser investigado pelas forças de segurança, e já tenha merecido o repúdio e condenação de todas as instituições e partidos democráticos portugueses, a verdade é que não pode deixar de merecer uma profundíssima reflexão de todos nós.
Vivemos num contexto de pandemia que está longe de estar ultrapassado. Se há coisa que aprendemos neste tempo é que um vírus descontrolado pode vencer tudo e matar indiscriminadamente, na arbitrariedade do seu poder e na nossa incapacidade de resposta. O ódio, que alimenta a xenofobia e o racismo, pode tornar-se viral. Hoje, como ontem!
Discordo dos que consideram que Portugal não é um país racista ou xenófobo só porque não regista casos de violência como os que vemos noutras paragens. Ou porque os episódios que nos chocam respeitam apenas a palavras e não a atos e há, obviamente, uma diferença nisso. Mas, francamente, não vejo que sejamos diferentes dos outros, quer pelo nosso passado quer pelo nosso presente.
É urgente que façamos uma reflexão sobre o tema: sobre a forma como nos comportamos com aqueles que são diferentes de nós, seja pela etnia, pela cor da pele ou pelo estatuto social; sobre o modo como tratamos laboralmente os que vêm de outras paragens e fazem o trabalho que não queremos fazer a troco de um mísero salário, quando ele existe e não é extorquido pelas máfias organizadas; a forma como integramos e, sobretudo, a forma como estamos a permitir que este vírus , ao qual dizemos que estamos imunes, avance na nossa sociedade e na nossa política.
O ódio é como as ervas daninhas: cresce na berma da estrada se não o eliminarmos. E cresce, sobretudo, junto das franjas mais vulneráveis e , porventura, mais permeáveis a discursos sedutores e de lógica básica; cresce junto dos descontentes, os que estão fora do sistema ou foram vitimas dele. Ou, simplesmente, daqueles que ainda não têm bem presente uma opção pelo bem ou pelo mal.
Entretanto, entretidos na profissão pública de fé, de que não somos racistas nem xenófobos, os email vão aparecendo, as estátuas vão sendo derrubadas, e os representantes políticos vão sendo eleitos e ganhando legitimidade popular, debaixo de uma anestesia coletiva.
Recordo aquele “poema” anti nazi, de Martin Niemöller, pastor luterano alemão, no seu discurso “E não sobrou ninguém”: “Primeiro levaram os comunistas/ Mas não falei, por não ser comunista. Depois, perseguiram os judeus/ Nada disse então, por não ser judeu. Em seguida, castigaram os sindicalistas/ Decidi não falar, porque não sou sindicalista. Mais tarde, foi a vez dos católicos/Também me calei, por ser protestante. Então, um dia, vieram buscar-me/ Nessa altura, já não restava nenhuma voz/Que, em meu nome, se fizesse ouvir”.
Ainda vamos a tempo de falar, acho eu!