Por Carmo Rodeia
O Papa Francisco considera que as perguntas do “povo, as suas angústias, os seus combates, os seus sonhos, as suas lutas, as suas preocupações” não podem ser ignoradas na elaboração teológica.
Aquando do Congresso Internacional de Teologia sobre o tema “O Concílio Vaticano II – Memória, presente e perspetivas”, promovido entre 1 e 3 de setembro de 2015, para celebrar os 100 anos da Faculdade de Teologia da Universidade Católica da Argentina e os 50 anos do encerramento do Concílio Vaticano II, o papa traçou o perfil do teólogo: ser filho do seu povo, ser crente e ser profeta.
Na altura criticou a absolutização do passado e da tradição da Igreja, bem como a desautorização de tudo o que não é novidade, sublinhando a urgência de um caminho que passe pela “reflexão e o discernimento”, tomando “muito a sério a tradição eclesial e muito a sério a realidade, pondo-as a dialogar”.
Para o Papa Francisco “não existe uma Igreja particular isolada, que possa dizer-se só, como pretendendo ser dona e única intérprete da realidade e da ação do Espírito”.
A “catolicidade exige, pede essa polaridade em tensão entre o particular e o universal, entre o uno e o múltiplo, entre o simples e o complexo. Aniquilar esta tensão vai contra a vida do Espírito”.
E, conclui: “todo o propósito, toda a busca de reduzir a comunicação, de romper a relação entre a tradição recebida e a realidade concreta, põe em risco a fé do Povo de Deus”.
Esta semana o Reitor do Seminário de Angra, numa entrevista ao Igreja Açores, afirmou que existe um deficit de Teologia e de pensamento teológico porque as universidades continuam a não considerar a Teologia, ou porque a veem como uma área menor ou porque a remetem para a igreja e em particular para os sacerdotes.
Esta terça feira arrancaram as Jornadas de Teologia promovidas pelo Seminário Episcopal de Angra, que se transforma no coração cultural da diocese (e dos Açores), pelo segundo ano consecutivo, nos próximos três dias, promovendo uma reflexão sobre a presença de “Deus na pena dos homens”.
Escritores como Dostóievski, Kafka, Ernst Hemingway, Vitorino Nemésio e Virgílio Ferreira serão lidos à luz do diálogo entre Teologia e Literatura. A iniciativa vai permitir abordar algo muito profundo e conatural à natureza humana, que não é inédito, nem se pode esgotar, que é o transcendente nos vários espaços literários.
Serão três dias de debate acerca do sentido artístico com Osvaldo Silvestre, Onésimo Teotónio de Almeida, Urbano Bettencourt, Rosa Goulart e José Júlio Rocha, com o lançamento do primeiro número da revista cientifica “Fórum Teológico XXI”, um espaço privilegiado de produção da formação sacerdotal, tradicionalmente filosófica e teológica, que procurará refletir a “açorianidade” da Igreja, contribuindo para a interpretação de uma gramática teológica própria.
Creio que estes três dias contribuirão decididamente para um verdadeiro diálogo entre a igreja, a sociedade e a cultura. E, pelos intervenientes, direi mesmo que se tratará de um verdadeiro diálogo em que a teologia terá o devido lugar no campo cultural.
O escritor Marcel Proust afirmou que a literatura é uma espécie de lente fotográfica que engrandece a realidade, permitindo-nos aceder-lhe nos seus detalhes e em profundidade. Hoje aborda-se cada vez mais a literatura como um interlocutor importante para o trabalho teológico ou para o percurso espiritual. A literatura envolve-nos na experiência, permite-nos conhecer o mundo à nossa volta e o mundo dentro de nós.
Partindo da certeza de que a fé e a procura do transcendente não são uma ideologia mas uma experiência, acredito que será um dos momentos mais elevados da diocese, confirmando que a Teologia tem lugar próprio e por direito no pensamento cientifico que se produz a partir dos Açores.