Tantas faces a vida tem.
Como cada hora, cada acontecimento. Nada é apenas o que parece, o que se vê, ou o que se ouve. O símbolo, o poema, a arte, têm o condão de desvendar muitas histórias do biombo da história. Revolvem tempos, desdobram espaços, escondem e revelam significados. Isso não é confuso. É bonito.
Deslizamos continuamente sobre o infinito que se resguarda nas aparências ou mesmo nos desenhos evidentes que se cruzam no nosso olhar, seja qual for a direcção em que nos fixemos. Estarei a filosofar para preencher uma linhas da realidade ou da irrealidade que nos rodeia? Não importa. Só a partir daqui entendo que os acontecimentos não nos estrangulam nem se fecham na observação ou no desdobramento do imediato.
Ando por aqui às voltas e parece que nunca mais aterro. Vamos a isso. Ao real que se esconde por detrás da nossa curiosidade de saber em vez da sede de conhecer. Esse real resvala desordenada e ilogicamente em forma de histórias e evidências, na conversação espontânea com os mais próximos, como quem conhece os factos, os precedentes, os contextos, os desfechos. As notícias, sons e imagens vêm do Ocidente e do Oriente, trazidos por satélites, fibras ópticas, celulares, smarts, toda a panóplia de ecrãs e minúsculas placas de sons, com o planeta inteiro a bater-nos à porta da alma com gritos e afetos, espectáculos sublimes de alegria ou tragédia. E vão-nos paramentando o coração de roxo, de rubro ou duma alvura de criança, que deslumbra o mundo com a sua veste branca. Nada é uma coisa só.
Mas o mais fantástico é o que nos acontece por estes dias: um menino deitado numas palhinhas com o rosto de todas as raças e cores, incluindo a raça de Deus. É o segredo da nossa fé nesse menino que nos faz passar em caleidoscópio o grande espectáculo remido da história. Noto que mesmo os descrentes olham, por uns segundos, para essa criança. E vêem mais que o óbvio. Muitos crentes, por outro lado, pensam que veem tudo com um simples olhar. O presépio é porventura o espectáculo mais completo, complexo e estasiante do mundo. Deus ali. Em silêncio. No meio de nós. Os anjos e os pastores fazem a festa. Ele está em silêncio. E sabe que em cada olhar há milhares de milhões de olhares, afectos, súplicas, esperanças e dores. Muitos pensaram e pensam que é uma simples criança. É um grande engano. É o Filho de Deus.
P.e António Rego