Por Carmo Rodeia
“Para encontrar a esperança é preciso ir para lá de todo o desespero” porque a esperança “é a maior e a mais difícil vitória que um homem pode ter sobre a alma”.
Peço de empréstimo estas duas magnificas frases a Georges Bernanos, escritor e jornalista francês da primeira metade do século XX, assumidamente católico, autor de dois livros impressionantes “Diário de um pároco de Aldeia” e “Os grandes Cemitérios sob a Lua”, onde disserta sobre grandes temas da condição humana como a fraqueza, a humildade, o sofrimento ou o sentido de serviço . Uma visão que é depois acompanhada por outro grande escritor e jornalista inglês, Graham Green, autor de um dos livros da minha vida “O Poder e a Glória”.
Vem este arrasoado todo a propósito da esperança e do mal, e da luta que todos devemos travar para o conter.
Na semana que passou (se calhar esta crónica já vem um pouco fora de prazo), voltámos a ser confrontados com mais um episódio estranho que abala a nossa consciência e que deve despertar todas as forças da alma para impedir este tipo de atitudes.
No domingo passado o navio Aquarius, da organização não-governamental SOS Mediterranée, foi impedido de atracar em Itália e depois em Malta, com 629 pessoas migrantes a bordo. A clamar para serem salvas perante um eminente naufrágio.
“Não se pode desconfiar ou deixar à mercê das ondas quem deixa a sua terra com fome de pão e de justiça”, declarou, o Papa Francisco numa audiência aos participantes no congresso da Federação Italiana dos Mestres do Trabalho, profissionais laureados pelo presidente da República da Itália.
Francisco alertou contra a “ilusão confortável de que, da rica mesa de alguns, pode chover automaticamente o bem-estar para todos”.
A Itália esqueceu-se disso. Como muitos se estão a esquecer disso na Europa. Bem sei que a Itália, por causa da localização geográfica, tem sido o país onde todos dão à costa. Mas isso não nos pode afastar do ponto essencial: a União Europeia tem de ser uma zona solidária, e não uma fortaleza onde ninguém entra. Nem mesmo os que fogem da guerra, da fome e da perseguição. Ou simplesmente da fúria do mar que viram como um salvo conduto para sair da miséria.
Vivemos o tempo dos santos populares. Esta semana Lisboa parou, como muitos outros lugares, para celebrar Santo António, um dos santos mais populares da igreja católica que teve uma vida aventurosa, no rasto do Evangelho, com viagens pela Europa, de Lisboa até à última etapa em Pádua.
O episódio do naufrágio nas costas da Sicília, no regresso de Marrocos, é bem conhecido. E não poderia ter maior atualidade. António, de Lisboa ou de Pádua pouco interessa, é em certo sentido um náufrago , deambulando de um lado para o outro sem ter sitio certo onde reclinar a cabeça, mas vive a experiência do acolhimento dos seus confrades.
Infelizmente, na Europa em que vivemos e para a qual parece não haver grande remédio, esta experiência é cada vez mais rara. Naturalmente que a Europa de que Santo António nos fala, nos relatos das suas viagens, nada tem a ver com a Europa atual. Mas nessa Europa podia-se caminhar. Por terra e por mar. Sem muros nem barreiras. Onde todos se misturavam. Estamos longe desta ideia de Europa. Cada vez mais longe. Temos os cidadãos de primeira, os do norte da Europa; os de segunda, malandros do sul e os outros que querem invadir a Europa, e aqui também há uns mais iguais que outros. Afinal que mundo é este em que “por ser estrangeiro não me acolheste”?
Afinal não pertencemos todos à mesma humanidade?
As estatísticas do Vaticano, publicadas esta semana, dão conta de que a Europa acolhe 22% dos católicos no mundo que eram, em 2016 1,299 milhões.
Qual foi a página do Evangelho que saltaram?
Regresso a Bernanos: “Para encontrar a esperança é preciso ir para lá de todo o desespero”. E só pode ser isso o que move gente que dá a vida por uma vida melhor. A sua e a dos seus. Como é que podemos ser tão euro-egoístas…