Vigário Geral da Diocese de Angra foi um dos oradores do Congresso Internacional sobre o Espirito Santo que hoje termina em Alenquer
Ao relacionar o mistério da Trindade com a realidade histórico-comunitária, e a forma como é vivido na prática, o culto do Divino Espirito Santo “pode configurar «um programa social»”, e em concreto, “pode contribuir como celebração e manifestação da fé trinitária para a construção da sociedade e da Igreja”, afirma o vigário geral da diocese de Angra que participou no “Congresso Internacional do Espírito Santo: génese, evolução e atualidade da utopia da fraternidade universal” que termina este domingo em Alenquer, com a presença do Cardeal Patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente.
No encontro, que começou no passado dia 14 e reuniu especialistas de várias áreas do saber, numa reflexão conjunta sobre oculto do Espírito Santo nas suas diferentes dimensões, inclusive a da festa como ainda hoje é uma marca indelével da idiossincrasia açoriana, o Cónego Hélder Fonseca Mendes percorreu várias correntes histórico-filosóficas para se centrar no essencial deste culto que se assume “como um verdadeiro programa social” que implica vários compromissos. Desde logo “o compromisso do amor e do serviço” expresso no culto popular do Espírito Santo.
“O Espírito Santo é mais dado ao Amor do que ao pensamento e à lógica, e a religiosidade popular gosta mais da ação e da prática do que do ensino e de normas”, afirmou o sacerdote sublinhando uma dimensão comunitária neste culto que não pode ser ignorada.
“Só uma comunidade de irmãos e iguais, ainda que com dons distintos, sem qualquer tipo ou poder de classes, sem opressão ou exploração, pode refletir a imagem de Deus trino que o culto popular nos inspira e manifesta. Nesta comunidade de irmãos, a que se chama Irmandade do Espírito Santo, os irmãos definem-se pela relação interpessoal e não pelo seu poder ou haveres, onde tudo se partilha, onde a autoridade é serviço se não mesmo suor, excetuando-se as qualidades pessoais, que doadas, permanecem em cada sujeito”, disse.
E, é nesta perspetiva que o Culto do Espírito Santo abre “as pessoas à comunhão trinitária e fraterna, gerando unidade e solidariedade com o mundo, onde quer que uma pessoa sofra ou esteja só. Pois o Espirito Santo consola, isto é, quebra a solidão, a confusão e o medo”, afirmou.
“Se queremos ter acesso a Deus que não seja especulativo – filosófico, mas de tipo experiencial, só pode ser pelo abandono ou entrega ao Pneuma de Deus que nos habita e permanece em nós. Isto experimenta-se no ato de nos darmos aos outros, de consolar, de defender, de ajudar, de assistir, como o Paráclito. A doutrina do Espirito e da Trindade é a tematização desta experiencia tão fundamental e humana”, acrescentou.
“À pergunta, se o Império do Espirito Santo configura um programa social – ainda que sem indicações técnicas – mas como sentido, a reposta é afirmativa. O Espírito Santo aporta algo de fundo: de valores, critérios e atitudes, que fazem o mundo mais humano e fraterno, alegre, justo e misericordioso, apropriado para a vida humana em sociedade e em Igreja, mais perto do projeto de Deus, em comunhão com a vida intra-divina, e como antecipação e experiência do Reino (soberania) de Deus”, conclui o vigário geral da diocese de Angra.
O sacerdote, que pertence ao Instituto Histórico da ilha Terceira, desenvolveu a sua tese de doutoramento justamente sobre o culto do Espirito Santo e é professor de Teologia no Seminário Episcopal de Angra, levou ao congresso uma comunicação onde refletiu sobre o Império da Festa nos Açores, lugar onde a fé, a religião e a cultura “têm uma notória centralidade nas pessoas divinas da Santíssima Trindade nas quais o mistério de Deus se revela e comunica: O Filho, Jesus, o Cristo e o Espírito Santo, o Divino”.
Para o sacerdote, este fato encontra as suas raízes na Ordem de Cristo e no Convento de Tomar, que “marcam a espiritualidade das ilhas, com acento cristológico e pneumatológico”, isto é, “se na pessoa do Filho se percebe o sofrer humano, na pessoa do Espírito Santo transparece a esperança e a alegria”. De resto, a devoção à pessoa de Jesus, na sua representação martirológica, é conhecida nos Açores por Senhor Santo Cristo, como adianta ainda o Cónego Hélder Fonseca Mendes.
O sacerdote recusa uma leitura meramente cultural destas festas e sublinha a dimensão religiosa do Império do Espírito Santo em todas as ilhas.
“Primeiro, há uma crença, uma fé, uma pessoa acreditada; em segundo o lugar, há um culto, em casa do mordomo com altar e orações, no império também com altar e orações, e na igreja com a missa e a coroação; em terceiro lugar, há uma prática moral ou comportamental, que no caso é a generosidade, a dádiva, a alegria e a partilha da riqueza sobejamente praticadas” referiu o também pároco da Sé destacando que “há uma moral do dom, mais do que do sacrifício e da penitência” e “há uma organização, bastante livre, mas não confusa; com uma hierarquia, desde um imperador, mordomo, procurador, rei da coroa, alferge da bandeira, cabeças da festa, irmãos, etc. Portanto, temos todos os elementos para falar de religião, segundo a sociologia que a estuda”, conclui o sacerdote.
Nos Açores o culto do Divino Espírito Santo é uma marca da identidade do arquipélago e do seu povo. A 31 de dezembro de 2015 existiam 308 Irmandades do Divino Espírito Santo, nas 165 paróquias dos Açores, o que dá uma média de duas Irmandades por paróquia/freguesia. A maior parte delas tem personalidade canónica ereta pelo Bispo de Angra com participação ao Governo Regional dos Açores nos termos do artigo 10º. da atual Concordata entre a Santa Sé e o Estado Português, e registo público de Pessoas Coletivas Canónicas. Além destas, há outras criadas no foro civil, embora o conteúdo dos estatutos seja em tudo semelhante aos de aprovação canónica.
Ao longo dos últimos 500 anos praticamente todos os bispos da diocese açoriana têm-se pronunciado sobre esta outra utopia, quer do ponto vista doutrinal, quer do ponto de vista disciplinar, o que revela a importância deste culto.
“Estamos diante de uma Utopia, não só escrita em Londres, mas ensaiada e experimentada nos Açores, no seu duplo significado de Outopia, como «não- lugar» e Eutopia, como «lugar feliz». O Império do Espirito Santo tem esses dois sentidos”, afirma o cónego Hélder Fonseca Mendes.
“Não faltam provas de que o Espírito Santo é «o nosso programa social». A bandeira do Império faz parte do Brasão de Armas da Região Autónoma dos Açores, tal como o preâmbulo do decreto legislativo regional de 1980 que cria o dia da Região fundamenta bem a razão da escolha desse dia em detrimento, ou dificuldade por qualquer outro, que servisse a todas as ilhas as distinguisse do todo nacional”, adianta ainda.
“O culto do Espírito Santo marca indelevelmente a cultura açoriana de que nós somos «missionários no mundo” refere lembrando que “Deus é o Espírito Santo da Trindade, fonte de misericórdia e de irmandades. Faz içar a bandeira vermelha do império da liberdade e da fraternidade, com a possibilidade de «coroar» o mais pequeno dos presentes”.
“Espírito que «se encarna» na terra e na cultura do pão, do vinho e da carne” prossegue concluindo que “O Espírito conduz-nos à verdade que mantem viva a esperança e a utopia, contra qualquer forma de idolatria e exploração. Este quadro axiológico, de raiz espiritual, está base de uma cultura açoriana que permite incluir e está pronta a expandir-se. É de fato um «programa social» a não perder, mesmo em horário laboral”.
O Congresso Internacional do Espirito Santo termina hoje em Alenquer depois de ter proporcionado um debate prolongado em Lisboa, Coimbra e Alenquer.