O desejo do reencontro

Pelo padre Hélder Miranda Alexandre

A vontade de voltar à normalidade é o grito da alma por um reencontro! O período que teima em desaparecer marcou definitivamente esta geração. As cicatrizes custam a sarar, mas servirão de lição para as gerações futuras. Nunca valorizamos tanto um abraço, um beijo, um aconchego de um irmão, de um amigo, como agora. A vida que há em nós é mais forte do que a contingência justa, mas cruelmente imposta.

Em todo este processo cometeram-se excessos, desrespeitosamente tolerados em detrimento do bem comum, mas também controle e respeito. Assistimos a isso nos lugares comerciais, nos ofícios administrativos, no futebol, em muitos lugares orientados com responsabilidade e até nas nossas Igrejas (quase exemplarmente!).

Alguém me confidenciou recentemente o desejo de participar na Eucaristia. Penso que foi o desejo de muitos cristãos. O tempo de catacumbas foi difícil, mas também um privilégio de intimidade. Agora, na comunidade reunida, o Senhor Ressuscitado aparece aos seus discípulos, sem nunca ter deixado de estar com eles. É aí que a paz se torna presença e missão. E é sobre o grupo dos doze que o Espírito Santo desce e os envia. A fé pode-se e deve-se viver em família (como foi possível). Mas esta não esgota a comunidade cristã. Há necessidade de mais.

Na festas do Corpo de Deus vivemos um desses momentos altos. Temos a possibilidade de um reencontro festivo com o Senhor, embora não seja possível manifestá-lo nas ruas. Jesus vivo permanece connosco para sempre. “Ao pedido dos discípulos de Emaús para que ficasse com eles, Jesus responde com um dom muito amor. Através da Eucaristia encontrou um modo de permanecer dentro deles” (João Paulo II, Fica connosco Senhor, 19). O encontro íntimo, o verdadeiro e mais profundo reencontro, em que cada homem e mulher se une ao Seu Senhor, como a videira aos ramos. Não se trata somente de uma união mística, um desejo piedoso de comungar o Jesus, mas é um desafio à nossa identidade. Dizer ámen é seguir os seus passos, numa vida em abundância.

Quem participava neste dom maior de amor, antes da pandemia, vai continuar, e quem não participava vai continuar a ser como era. Penso que o Covid fez-nos pensar, mas não sei se realmente aproveitámos os momentos de pausa para uma mudança. Suspeito que as nossas comunidades poderão esvaziar-se ainda mais. O cardeal Tolentino afirmava no dia 10 de junho que “desconfinar não é simplesmente voltar a ocupar o espaço, mas é poder sim habitá-lo plenamente”.

Sentir o desejo do Senhor implica mudança de vida. Significa testemunho. No séc. II, Santo Inácio de Antioquia deixou-nos um exemplo formidável. Após ter sido preso em Antioquia e levado para Roma atado por dez guardas, que ele chama de “leopardos”, foi escrevendo às comunidades cristãs por onde passava. Pediu então aos romanos que não o libertassem do martírio, porque o Seu amor foi crucificado. Manifestou um desejo tremendo de se unir ao sangue de Cristo e olha para a Eucaristia como sinal maior desse amor. “Não sinto prazer na comida corruptível, nem me atraem os desejos desta vida. Eu quero o pão de Deus que é a carne de Jesus Cristo, da linhagem de David, e quero o seu sangue por bebida, que é o amor incorruptível”

Loucura? Sem dúvida! A loucura de Deus que é mais sábia que a sabedoria humana. Só quem vive é que sabe o que isto significa. E o seu testemunho é verdadeiro.

 

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