Por Renato Moura
Pertenci sempre a um grupo, talvez já não tão restrito, de quantos pensam que não se deve entrar em pânico considerando a Covid19 como uma situação atroz e absolutamente fatal; algo sem fim, castradora de toda e qualquer esperança, ou de retoma da normalidade.
Tenho sido crítico de quem promove e divulga notícias ou estudos sem base científica, sem respeito pelas consequências negativas num público alvo composto de pessoas crédulas e impreparadas para distinguir a ciência da opinião e principalmente do boato.
Mas agora, atenuada a perturbação, parece-me estar-se a aproveitar a grande capacidade de absorção das notícias, para transmitir a ideia de enorme utilidade futura da crise que atravessamos. Esta atitude não é credível, nem séria. Estamos demasiado próximo dos acontecimentos para retirar conclusões e construir teses. Ao nível do SNS constataram-se limitações de análise, de pessoal e de equipamento; mas ténue é a garantia de a lição levar à transformação geral. Recorreu-se às aulas pela internet e pela televisão; mas obviamente o recurso, em emergência, não pode tornar-se em normalidade; a relação pessoal dos professores com alunos e destes entre si, é insuprível. Entidades públicas e privadas socorreram-se do teletrabalho, certamente com resultados sofríveis para as circunstâncias do momento; mas apregoar o teletrabalho como uma descoberta com enorme aplicação imediata, transformadora da relação laboral, é um exagero: nunca uma máquina eliminará as virtudes das relações interpessoais e interprofissionais; nem as relações directas mas pessoais, não só úteis como indispensáveis, entre os empregadores e os trabalhadores.
A experiência é a mestra da vida. Não se devem desaproveitar as lições.
Mas e em resumo: é um exagero pretender incutir a ideia de toda a crise se vir a transformar em oportunidades. E o outro exagero é tentar transformar os Governos nos dadores dos meios e o sucesso empresarial um resultado disso; e, ao invés, as falências, numa mera incapacidade dos empresários.
E a propósito de exagero: face à demissão de Centeno de Ministro das Finanças, o 1.º Ministro procurou transformar o apuro numa oportunidade positiva. Não só procurou elevar o futuro Ministro das Finanças, João Leão, à qualidade de autor dos orçamentos, enquanto diminuía Centeno à condição de intermediário entre o Secretário de Estado do Orçamento e o 1.º Ministro! Como exagero é também induzir que Leão será muito bom Ministro das Finanças, por ter-se doutorado na mesma universidade onde o fez Centeno!