Por Carmo Rodeia
Roubo, uma vez mais de empréstimo, o título deste Entrelinhas a uma obra escrita, desta vez pelo professor escossês Niall Ferguson. E saio para este texto justamente a partir desta obra e do pensamento deste professor de Oxford e Harvard, a quem do ponto de vista ideológico pouco me une.
A tese principal deste livro , que li recentemente, é a de que a decadência do Ocidente começou logo no final da II Grande Guerra Mundial. O mundo Ocidental, depois do domínio civilizacional que experimentou desde o século XV até essa altura e que assentava em quatro pilares essenciais- o governo representativo, o Estado de Direito, o poder da sociedade civil e a economia de mercado- cobria-se de vergonha com as atrocidades perpetradas contra os judeus, durante o Holocausto, por exemplo.
Do mesmo modo que a democracia, a liberdade ou a pujança económica cresciam também a arrogância começava a apoderar-se dos Estados Unidos e da Europa e este é outros dos males apontados por Ferguson, para falar em declínio. Hoje, o que vemos é uma cada vez maior perda de prestigio do Ocidente e ganhos de outras paragens, nomeadamente da China, que tem conseguido durante esta pandemia resgatar uma aura de credibilidade e de coerência que não nos podem deixar de alarmar. Sobretudo, porque sabemos que não estamos diante de um país que respeite igualmente os mesmos valores com que crescemos. Sobretudo, porque falamos de um país onde a liberdade e o progresso de uns são conseguidos à custa de uma esmagadora maioria com pouca capacidade de expressão e absolutamente oprimida.
O mundo parece estar a ferro e fogo. E eu coro de vergonha pelo que está a passar. Depois da covid-19 poucos se atreveriam a pensar que a grande discussão iria estar centrada em questões que pensaríamos que há muito pudessem estar resolvidas. Há dias em que em várias cidades dos Estados Unidos se sucedem os protestos populares misturados por vezes com pilhagens, confrontos com a polícia, violência e destruição de bens, depois da morte do afro-americano George Floyd, às mãos da polícia (cuja brutalidade ficou testemunhada em imagens).
Os protestos chegaram mesmo já às portas da Casa Branca, de onde o tom inflamado do Presidente dos Estados Unidos tem ajudado a colocar mais achas na fogueira, com as suas sucessivas declarações incendiárias e classificação redutora dos manifestantes. E as manifestações alargaram-se mesmo para fora dos EUA, por diversos lugares na Europa.
A gravidade desses fenómenos não pode cair na indiferença. E nós cristãos temos uma responsabilidade a mais em combater as novas formas de xenofobia e racismo, em razão da nossa própria natureza.
Como diz o Papa Francisco o racismo e a xenofobia constituem uma doença, “uma doença humana, como o sarampo. É uma doença que entra num país, entra num continente”.
“E colocamos muros. Mas os muros deixam sozinhos aqueles que os constroem. Sim, deixam de fora muitas pessoas, mas aqueles que permanecerem dentro dos muros ficarão sozinhos e no final da história derrotados por causa de grandes invasões”diz ainda o Papa.
“A xenofobia é uma doença. Uma doença ‘justificável’, por exemplo, para manter a pureza da raça, apenas para falar de uma xenofobia do século passado, mas que também está relacionada com os populismos políticos”.
O que está a acontecer nos Estados Unidos é inadmissível! O medo gera violência e ódio. E atrás do ódio vem mais ódio.
O racismo não deveria ser ‘normal’ nos Estados Unidos em 2020. Muito menos o racismo institucional, que é o mais repugnante de todos. Venha ele de onde viver.