Professora catedrática da Universidade dos Açores refere que a questão é ideológica
O diálogo sobre a Eutanásia em Portugal “é rigorosamente postiço” e é um debate “artificial que não corresponde a qualquer anseio da sociedade portuguesa” afirmou este domingo a professora Maria do Céu Patrão Neves ao programa de Rádio Igreja Açores e que pode ouvir aqui.
Questionada sobre o sentido da petição aprovada esta semana na Assembleia da República, a favor da liberalização da Eutanásia, a especialista em ética e filosofia refere que o que está em causa é a legalização do direito à morte a pedido quando se deveria estar a discutir o direito à vida.
“Quanto a petições há- as para todos os gostos. Esta que foi discutida tinha oito mil subscritores mas há outra, em sentido oposto- Toda a vida tem dignidade- que tem cerca de 14 mil… não são estas petições que representam os anseios dos cidadãos portugueses” refere a professora catedrática lembrando que os portugueses “não estão preparados para este debate” nem saberão “bem o que discutir”.
E, deixa o alerta: “Os políticos responsáveis é que deveriam ocupar-se com os assuntos que efetivamente são importantes para a sociedade, a transformam para melhor e que correspondem aos anseios da sociedade”.
“Nós temos, neste momento, todos os dados à nossa volta que nos dizem que este debate sobre a Eutanásia não representa os anseios da sociedade portuguesa, foi trazido para a agenda politica por partidos que querem ganhar visibilidade e no fundo é um assunto de luta ideológica, pouco mais do que isto, infelizmente com muitas consequências” acrescenta.
A este propósito Maria do Céu Patrão Neves recorda que o salto “não será no escuro”. Recorda que em todo o mundo só três países legalizaram a Eutanásia- Holanda, Bélgica e Luxemburgo- e alguns estados dos Estados Unidos da América, e sempre que isso aconteceu, o número de pedidos tem aumentado.
“O número de eutanasiados tem vindo a crescer; na Holanda desde 2003 a eutanásia aumentou 73%” refere lembrando que “nenhuma pessoa deseja a morte se tiver bons cuidados paliativos e se for ajudada a viver com dignidade”.
“As pessoas não querem morrer; não querem é sofrer.. E, quando falamos em dignididade a questão não se deve colocar na morte mas na vida”, destaca.
“O ato mais indigno é que uma pessoa sofra e tanto a ponto que o desespero seja tão grande que, no seu maior desespero, peça a morte para se livrar do sofrimento”, clarifica.
“Com tantos recursos que a medicina tem, na cura da dor, francamente é uma discussão artificial que nos afasta do essencial que não é matar pessoas mas cuidar delas para que não sofram”, afirma.
“Esta sim é uma sociedade solidária, não apenas nos discursos mas sobretudo nas ações”, conclui.
A professora catedrática, que foi consultora do anterior Presidente da República para as questões da ética e das ciências da vida, e que esta semana lançou mais um livro sob a sua coordenação – “Ética: dos Fundamentos às práticas”- , alerta para as consequências de uma legalização da Eutanásia numa sociedade envelhecida como a portuguesa: “ em vez de discutirmos como podemos dar saúde às pessoas, qualidade de vida na velhice, desafogo financeiro, companhia, afecto e acompanhamento estaremos a oferecer-lhes o caminho mais fácil e mais rápido” porque a Eutanásia é “garantir a morte certa num determinado momento”.
Durante a entrevista ao programa de rádio Igreja Açores, a professora catedrática lembra, ainda, que hoje a pessoa já tem a liberdade de decidir deixar-se morrer.
“Desde 2012 que temos diretivas antecipadas de vontade (das mais liberais) e qualquer cidadão pode nomear um procurador de saúde para decidir quando ele já não é capaz de o fazer ou assinar um testamento vital pedindo para não ser prolongada artificialmente a vida” e a verdade é que “contra as expetativas do governo” apenas 6 mil pessoas se inscreveram no registo nacional do Testamento Vital.
O debate em torno da Eutanásia, nomeadamente sobre a possibilidade de um referendo, só será retomado depois da visita do Papa Francisco a Fátima, em maio deste ano, segundo declarações do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.
Ainda este domingo o papa apelou a todos os cristãos para ajudarem a garantir a vida e a rejeitarem qualquer possibilidade que favoreça a morte.