Por Carmo Rodeia
Parecem meses e foram só duas semanas. Para alguns é apenas o terceiro dia. Para o Covid-19, que não pede licença para se espalhar, é o 15º dia de viagem por Portugal. Foi numa segunda feira, 2 de março, dia tão significativo para a Autonomia açoriana (que no longínquo ano de 1895 viu pela primeira vez a sua autonomia administrativa aprovada), do ano de 2020, que o vírus mais falado na minha geração chegou a Portugal, ao continente, sendo declarado pela Direção Geral de Saúde o primeiro caso português positivo. Ontem, domingo, dia 15 de março, foi confirmado o primeiro caso nos Açores. Fez manchete em todos os noticiários. O primeiro é sempre o primeiro! E depois deixa de ser notícia. Agora só se espera pelo primeiro caso de morte. E os números voltam a ter rosto.
Metáfora da História, os continentais seguem sempre na frente em tudo. Que tenham… muita saúde que nós cá estamos para contribuir para a solidariedade nacional, como sempre, não pensem que é só de lá para cá, quando há catástrofes. E desta vez, sobretudo desta vez, estamos todos no mesmo caminho.
Sei de quem foi apanhado na curva e que estando de quarentena profilática, viu o seu caso validado e até já recebeu cinco chamadas da linha Saúde 24, o que mostra bem a presença consoladora do Serviço Nacional de Saúde, não fosse a trágica circunstância de todos os telefonemas terem sido feitos como se do primeiro se tratasse, com as mesmas questões e sempre a pedir à pessoa que se mantivesse em isolamento até o delegado de saúde o contactar. A situação foi tão caricata que na última chamada até pediram ao validado caso que se deslocasse até ao Hospital de São João no Porto (a área de residência foi confirmada na primeira chada e em todas as seguintes e distava mais de 200 quilómetros desta unidade de saúde) dali a uma hora, sem indicar o meio de transporte ou as precauções a ter na deslocação.
Se não fosse sério pareceria uma anedota.
Neste momento, segundo o último relatório há 331 infectados, mais 35% nas últimas 24 horas. Portugal entrou na fase de mitigação, com o anúncio de que todos os casos suspeitos vão fazer o teste. A pessoa de que vos falava vai então aguardar o contacto do tal delegado de saúde.
O surto entrou numa fase exponencial, hoje . Hoje é o dia ‘zero’ das medidas restritivas anunciadas por António Costa: escolas sem aulas, restaurantes com menos clientes, controlo de entradas em supermercados, discotecas e bares fechados. Nas Lajes, na Terceira, entretanto, o aeroporto encerrou. Pelo menos já não há voos da Sata. Marcelo Rebelo de Sousa tem agendado um Conselho de Estado para quarta-feira, onde irá avaliar a convocação de estado de emergência. O presidente da República não antecipou, para já, esse cenário nas declarações que fez ao país mas admitiu que decidirá tudo o que for necessário decidir.
Outra das novidades deixadas pelo fim-de-semana foi a decisão dos governos de Portugal e Espanha fecharem as fronteiras onde, a partir de agora, só poderão passar trabalhadores transfronteiriços e mercadorias. Ficam excluídos turistas.
A situação está a agravar-se e mesmo nos cenários mais otimistas não deixa de ser preocupante.
“Vai ser uma tragédia” é a expressão que mais me repetem, avançando sempre os números da catástrofe, 20.000, 30.000, 60.000…
Volto à figura de estilo que já utilizei neste Entrelinhas.
Metáfora das metáforas, vivemos de quarentena, no tempo favorável que é a Quaresma, os 40 dias que Jesus passou no deserto para meditar, abrandar, ganhar forças, voltar ao essencial e aceitar a vontade do Pai. Crentes ou não, aceitar de coração aberto e pacificado aquilo que não podemos mudar, ajuda-nos a olhar para isto tudo de forma serena. Encarar a experiência da vulnerabilidade impotente pode ser um momento existencialmente qualificante, como naquele “Silêncio” do poeta Tolentino Mendonça “para lá do jogo das nossas defesas/qualquer coisa interior/a intensa solidão das tempestades/os campos alagados/os sítios sem resposta/ o teu silêncio, ó Deus, altera por completo os espaços”.
Que não falte a saúde a ninguém. O coração bate e… reza.