Por Carmo Rodeia
Ao longo da minha vida, e já lá vai mais de meio século, tenho tido sempre uma grande curiosidade pelas outras religiões. E, sobretudo pelos países onde cada uma delas se apresenta como maioritária. Aliás, há quem diga que sou obcecada, por exemplo, pelos países islâmicos. Quem sabe seja uma influência de família. Mas a curiosidade permanece e todos os dias gosto de saber mais sobre o Cristianismo, mas também sobre o Islamismo e o Judaísmo, as três grandes religiões do Livro. Até para aprender a colocar o respeito no lugar da tolerância.
O encontro Paz Sem Fronteiras promovido , entre outros, pela Comunidade de Santo Egídio em conjunto com a diocese católica de Madrid (Espanha), e que o Sete Margens relembrou oportunamente, encerrou esta terça feira, dia 17 de setembro, com um “apelo de paz”, o qual manifesta preocupação pelo futuro das novas gerações por causa da destruição do planeta, com o crescimento dos nacionalismos e com a dimensão exclusivamente económica da globalização, aquela que faz do mercado o novo credo, até com cheiro a um certo novo riquismo.
Os organizadores temem pelo reaparecimento do culto da força e das oposições nacionalistas, que provocaram grandes destruições ao longo da história.
“Porque o terrorismo não deixa de matar gente inocente. Porque parece que o sonho de Paz se debilitou”, diz o texto proclamado no final, diante da catedral da Almudena, em Madrid, recuperado e citado pelo Sete Margens.
O texto termina, aliás, com um apelo a “responsáveis políticos, aos mais ricos do mundo, a homens e mulheres de boa vontade” para que proporcionem os recursos necessários de modo a “evitar que milhões de crianças morram anualmente por falta de atenção médica e para poder mandar à escola milhões de crianças”. Isso “seria um sinal de esperança para todos”, diz o texto, que aposta no diálogo e na cooperação, contra o “muro da indiferença” que deixa os mais débeis de lado e contra a violência e o desprezo pelas pessoas que são diferentes, porque rezam e falam noutra língua”.
Tão importante quanto esta declaração é a parte que diz respeito às próprias religiões e ao seu papel na construção da paz, que se encontra numa encruzilhada de dois caminhos: “Trabalhar pela unificação espiritual” ou deixar-se instrumentalizar por quem “sacraliza as fronteiras e os conflitos”.
O encontro foi promovido, entre outros, pela Comunidade de Sant’Egídio, que me habituei a conhecer durante os acordos de paz para Moçambique, na década de 90 do século passado, e que hoje visito de cada vez que vou a Roma naquela que é uma das mais icónicas e belas igrejas da cidade eterna, Santa Maria in Trastevere, gerida pela Comunidade, onde se percebe, como em poucos lugares, até pelos rostos que habitualmente vemos a rezar, que o Céu é só um, diante do qual rezam todos seja na alegria ou na tristeza, seja na Síria, dilacerada pela guerra seja numa qualquer catedral do Ocidente, seja numa sinagoga ou em outro lugar de culto, como uma mesquita ou outro espaço qualquer.
“O Céu é só um e não é prisioneiro de fronteiras”, disse o presidente da Comunidade de Sant´Egídio no final do encontro de Madrid. O Céu é só um e não aprisiona religiões. Fez-me lembrar que “Todos estamos sozinhos debaixo dos Céus com aquilo que amamos”, como bem sublinhou Truman Capote. E o que amamos há de ser sempre o outro, desde que tenhamos sempre presente a cultura do encontro.
Às vezes, quando vejo notícias sobre conflitos, alegadamente desenvolvidos em nome de Deus, irmãos a matarem-se uns aos outros, apetecia-me fazer como aquele Secretário Geral das Nações Unidas, que tinha um nome impronunciável- Dag Hammarskjold- que morreu num atentado, e que chegou a organizar uma sala com uns bancos de madeira ao redor, uma espécie de altar que era uma pedra translucida e uma luz que vinha do teto sobre esse altar. A essa sala chamou-lhe “sala de meditação para todas as religiões”, onde poderiam ser encontrados valores comuns. E para mim esse valor comum só pode ser um: cada homem é um ser único e irrepetível. Independentemente das suas circunstâncias sociais, políticas e culturais. Independentemente do credo que professa. Julgo que não será um atrevimento dizer que se não houver paz entre religiões não haverá paz no mundo. Nesse como noutros aspetos, o trabalho árduo do Papa Francisco tem sido notável.