Pelo padre Teodoro Medeiros
Muitos entre nós se emocionaram de forma primordial, diante de uma televisão a preto e branco: era a altura da Páscoa, o filme era “Jesus de Nazaré” de Franco Zeffirelli. Lembro-me muito bem de torcer por Jesus até ao fim, apesar de já conhecer o desfecho: a esperança diante de uma estória de traição onde os maus realizam os seus intentos.
Todos reunidos na sala com a televisão, o ano seria 1981 ou 82, pai, mãe e os cinco filhos, ficou-me sobretudo a intensidade dos momentos da Paixão do Senhor. As minhas irmãs eram mais maduras do que eu (só a mais nova, a “menina” teria à volta de cinco anos): nessa altura exprimiam em alta voz o constrangimento que sentiam. E, enquanto Jesus era chicoteado, uma delas observou, espantada: “A menina está a chorar!”
Os filmes sobre Jesus multiplicaram-se nos últimos anos, como todos sabemos, uns dedicados à sua pessoa, outros a pessoas relacionadas com Ele, como Maria Madalena ou a sua mãe, ou os apóstolos. O valor didático da maioria deles é inegável, mesmo se alguns dos mais recentes padecem de anacronismo (o que se poderia chamar mesmo de síndrome Maria Madalena: quem viu o filme pode atestar).
Nesse “Maria Madalena” (Garth Davis, 2018), o problema era o de tantos filmes “históricos” contemporâneos: o longo espaço dado à reflexão da protagonista sobre a sua vocação, é um desproporcionado reflexo, por excelência, do ego ocidental. Além da óbvia afirmação da igualdade de género, um tema que não estava propriamente na moda naquele tempo. Isto sem prejuízo da concreta promoção feminina operada no novo Testamento.
“Barrabás” (Richard Fleischer, 1961), surge como um caso muito gratificante do cinema histórico, um misto de filme sobre um personagem próximo de Jesus com épico. A marca distintiva do filme é a de não se tratar da estória de um convertido, mas sim de um bandido, um patife intratável que só deseja preservar a própria vida. Confira-se a sua reação à notícia de Pilatos de que não o podia condenar à morte depois de o ter libertado anteriormente.
Enquanto Jesus é levado à cruz, Barrabás celebra com os amigos, é coroado rei por eles (uma ironia feita a partir de outra ironia), recebe como cetro uma vassoura que em pouco tempo usa para atingir um deles. A libertação deste personagem não faz sentido, já que ele é o oposto do profeta da Galileia: vive para si, para os seus prazeres e rejeita mesmo a ideia que o crucificado possa ter ressuscitado. Sendo um filme sobre a fé, não segue o trilho óbvio da hagiografia.
É dada a ver a morte do Nazareno, sempre sem o focar diretamente: o eclipse sucessivo constitui uma das cenas mais bem conseguidas, num filme repleto delas. Outros destaques são o desastre nas minas de enxofre, as lutas de gladiadores e o incêndio em Roma. Os valores de produção estão em linha com o melhor que se fazia à época, numa estória que foge aos estereótipos de, por exemplo, o famoso “O Gladiador” (Ridley Scott, 2000).
O mote é este homem que fechou as portas à fé e que dirá, quando perguntado sobre se pertencia ao movimento cristão, que não, mas que tinha tentado acreditar. O retrato é rico: o infeliz escapa à morte mais do que uma vez, um facto que começará a fazer pesar o dito de que a troca com Jesus tinha o seu propósito. O Barrabás que ganha a liberdade ao matar um gladiador dá só mais um passo no exteriorizar do seu conflito interior.
É essa a chave do filme, a sobrevivência prolongada que cada vez mais evidencia a pergunta a que ele próprio quer escapar, o sentido da histórica troca. A morte que trouxe a luz confirma-se à sua volta, no companheiro cristão que ama a vida mas não teme a morte. Na sua ida às catacumbas, ele perde-se e, lentamente, divaga, errante no trajeto, mas nunca tão próximo de si mesmo.
O desfecho é previsível mas junta todos os fios dispersos. Em Jerusalém, no dia da ressurreição, Pedro pôs-se a fazer uma rede de pesca que não ia usar: tal como ele, Barrabás só entrou no caminho da fé quando se afastou das suas certezas e perguntas. Por isso mesmo, este é um filme muito contemporâneo, um selo para o mundo que soçobra no fazer pessoal a herança que é de todos.