Por Carmo Rodeia
O Pongo foi o primeiro “parente” de quatro patas lá de casa. Foi oferecido ao Francisco pelo meu irmão, antes do João nascer.
“Vai ser bom para ele porque tem algo seu e pode evitar os ciúmes” dizia persuasivamente na ladainha para nos convencer da importância de haver um animal em casa, no processo de crescimento dos filhos.
Sempre tive animais em casa. Mas viver em Lisboa, ou em Ponta Delgada, num apartamento não é a mesma coisa do que viver numa casa, com jardim e espaço para os bichos correrem à vontade, sem qualquer tipo de privação.
Fui resistindo. Mas o meu irmão João convenceu-nos da bondade da solução e o Pongo juntou-se a nós. Fomos buscá-lo ao aeroporto, uns fins de semana antes do nascimento do outro João, o meu filho do meio.
Rapidamente o Pongo fez furor, na Avenida, nos passeios era apelidado do cão da Scotex. Era de facto muito bonito. Um amarelo torrado, pouco usual nos labradores, tradicionalmente mais esbranquiçados ou pretos. Da cabeça às patas era todo proporcional. Entretanto o João nasceu e mudámos de casa. O Pongo era muito doce e apegado ao Francisco. Os olhos cor de amêndoa derretiam o coração mais empedernido. Um dia, no final dos inúmeros passeios que fazia até à praia, não voltou mais. Ficámos uma semana sem sair de casa à espera que ele voltasse. Entre lágrimas e ranho, e uns quantos ataques de má criação, O Francisco resistia e ficava sempre à espera que ele voltasse. “Se eu sair, quem lhe abre a porta se ele voltar, mãe?”
Pusemos anúncios, oferecemos recompensas e nada de Pongo, a não ser uma enorme saudade. Onde quer que íamos o Pongo perseguia-nos. Sempre que se avistava um labrador ao longe, poderia ser o pongo.
Uns anos depois do seu desaparecimento, depois de umas sopas do Espírito Santo, numa segunda feira de Pentecostes, fomos passear à praia do Pópulo como sempre fazíamos em dias feriados ou domingos. De repente, o Francisco olhou para o lado e desata a correr: “mãe está ali o Pongo”, parece que o estou a ouvir. Detivemo-nos por um instante e chamámos por ele sem grande convicção. O Pongo veio a correr: sujo, maltratado e com uma corda à volta do pescoço. Tinha-se soltado e regressado ao sítio onde costumava passear connosco. Saltou de imediato para a bagageira do carro. Quando chegou a casa dirigiu-se à sua “cama” habitual, debaixo da lareira onde se guardava a lenha. Sabia exatamente o seu lugar e nós que aquele era o nosso Pongo, e o lugar que ele ocupava no nosso coração e na nossa vida.
O coração do Pongo estava como o nosso: a fervilhar de alegria. Via-se nos olhos do pobre bicho e na cauda. Os labradores, como todos os cães, acho eu, abanam muito a cauda quando querem mimo ou se sentem mimados.
O amor pelo Pongo é eterno. O Francisco já teve vários cães depois do Pongo. E embora não o confesse acho que nunca gostou de nenhum como do Pongo.
Na Carta aos Coríntios, Paulo mostra que o Amor é um dos frutos do Espírito.
“Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor, serei como o bronze que soa ou como o címbalo que retine. Ainda que eu tenha o dom de profetizar e conheça todos os mistérios e toda a ciência; ainda que eu tenha tamanha fé; a ponto de transportar montes, se não tiver amor nada serei. E ainda que eu distribua todos os meus bens entre os pobres e ainda que entregue o meu próprio corpo para ser queimado, se não tiver amor, nada disso me aproveitará. O amor é paciente, é benigno; o amor não arde em ciúmes, não se ufana, não se ensoberbece, não se conduz inconvenientemente, não procura os seus interesses, não se exaspera, não se recente do mal; não se alegra com a injustiça, mas regozija-se com a verdade; tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta”.
O que se vai passar nos Açores nos próximos dias, até à segunda feira da Trindade, é algo de muito sério: é a nossa fé e a nossa história que vão ser expressas, seguindo uma gramática, um ritual, uma simbologia que até pode afastar-se da liturgia oficial, mas que envolve expressões que tocam o melhor que se pode pensar e querer. Mitigam-se fomes e sedes que vão muito para além de uma refeição ou de um encontro. Fomes e sedes que assentam num Amor pleno.
O que aqui se renova, por detrás da festa é a esperança numa nova cidade- a nova Jerusalém- onde o egoísmo cede o passo à fraternidade, o consumismo se rende à partilha, e o efémero se encontra com o eterno.
O Espírito Santo nos Açores é isto tudo, mas é, sobretudo, uma comunidade reunida e animada pelo Espírito de Jesus ressuscitado, que é o Amor.
Não há dia mais importante que a segunda-feira de Pentecostes. É o dia do bodo; é o Dia dos Açores. É o dia do regresso do Pongo. É o dia em que celebramos o Amor, como dom do Espírito.