Por Carmo Rodeia
Ficou a saber-se esta semana, depois da estreia do documentário Francesco, que estreou esta quarta-feira no Festival de Cinema de Roma, que o Papa Francisco defendeu a regulação da união civil entre pessoas do mesmo sexo, dizendo que os “homossexuais têm direito a fazer parte de uma família”.
O filme incide sobre a forma como o Papa, escolhido em março de 2013, aborda questões sociais, sobretudo entre aqueles que vivem “nas periferias existenciais”, explicava a Catholic News Agency, na quarta-feira.
“Os homossexuais têm o direito de fazer parte de uma família. Ninguém deve ser deixado de fora ou sentir-se arrasado por causa disso”, afirmou Francisco.
As declarações do Papa sobre a união civil entre pessoas do mesmo sexo, que incidem particularmente na sua protecção, antecipam uma oportunidade clara para uma mudança de atitude no acolhimento da pessoa homossexual.
Apesar das declarações não serem novas e não fazerem doutrina, são, sem margem para dúvida, um forte incentivo à ação pastoral e à mudança do pensamento da Igreja quanto às famílias homossexuais.
Acompanho Frei Fernando Ventura quando afirma que este Papa tem sido um destruidor de muros, de barreiras, de tudo aquilo que pode isolar, afastar e colocar letreiros na testa das pessoas.
O Papa não vem tocar em questões doutrinais, vem centrar-se em questões civilizacionais, de gente concreta, com problemas concretos recolocando a Igreja no tempo presente, lendo os seus sinais, como nos aconselharam sabiamente os padres conciliares.
Havia alguma expectativa de que as uniões entre pessoas do mesmo sexo fossem abordadas durante o sínodo da família em 2015, mas na altura não houve desenvolvimentos visíveis. Até porque o Vaticano vivia uma guerra em surdina (que ainda não foi ultrapassada) entre as alas conservadora e progressista, onde Francisco parece cada vez mais inserir-se. Nessa altura, o Papa afirmou que “não deve haver nenhuma confusão entre a família desejada por Deus e outros tipos de união”.
Ao proferir estas palavras Francisco está apenas a proteger uma infinidade de famílias que já existem, e não vão ser inventadas por causa disto; vão apenas sentir-se respeitadas, sem que se altere uma vírgula aquele que é o modelo de família defendido pela Igreja Católica.
Francisco não alterou uma vírgula ao que já tinha dito, nem tão pouco se desdisse; apenas trouxe o Evangelho para o espaço público, incarnando uma palavra cheia de humanidade; aconselhando, uma vez mais, uma atitude pastoral de acolhimento e de misericórdia que é no fundo aquilo que Jesus ensinou aos discípulos, que devem ser todos os cristãos.
No passado, até as uniões civis eram olhadas de lado em vários quadrantes da Igreja. Hoje, ele está a pôr o seu peso a favor do reconhecimento legal das uniões entre pessoas do mesmo sexo.
As declarações de Francisco podem não marcar uma alteração imediata da doutrina da Igreja Católica em relação ao acolhimento de homossexuais, mas representam uma abertura e uma mudança de mentalidades. Que, para ser nova só precisa de regressar ao essencial que nos propõe Jesus quando responde ao doutor da lei a propósito de qual é o maior mandamento de todos: “Amarás o Senhor , teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todo o teu espírito. Este é o maior e o primeiro mandamento. O segundo, porém, é semelhante a este: a amarás o teu próximo como a ti mesmo”.
Próximos não são só aqueles que vivem juntos de nós ou são iguais a nós. Bem pelo contrário, senão onde entrariam a mulher adúltera, a quem Jesus perdoou ou o Bom Samaritano, que Jesus elogiou.
Misericórdia é a nova forma de dizer Igreja. Desde há 2000 anos e, sobretudo, hoje.