O amor cobre a multidão dos pecados (1Pd 4, 8)

 

© Direitos Reservados

Pelo padre Hélder Miranda Alexandre

Ainda estamos abalados pelo relatório da comissão independente acerca dos abusos sexuais na Igreja. Dizem que é apenas o início… meu Deus! Como é possível que na Igreja aconteçam estes crimes e pecados hediondos?

A minha palavra é de apoio e proximidade a quem sofre, a quem foi ou é vítima de abusos, não só sexuais, mas também do poder, em nome de Deus. Mas não só a estes. Toda a comunidade cristã sente-se ferida e abalada. Muitos dos que foram atingidos até perderam a fé. Pudera! Que nunca mais se repitam quejandos atos! Melhor seria atar a mó do moinho ao pescoço….

Sofremos todos imensamente, não só as vítimas. As comunidades sentem-se atingidas…. É difícil neste momento falar em esperança ou em fé. Muitos deixaram de acreditar na Igreja. Vamos ter de fazer um caminho muito sério de recuperação e libertação, que tem de passar pelos trâmites da justiça, da terapia e da ação da Graça. É hora de agir, por muito dolorosas que possam ser as medidas, ou perdemos completamente a credibilidade. A ferida custa a tratar, mas não há outro caminho.

Contudo, também sabemos que a maior parte do clero ou dos fiéis não faz aquilo. Não se deve argumentar muito em defesa, mas não se pode meter tudo no mesmo saco. Seria tão falacioso quanto grave.

A desmotivação contagia-se. Grande parte dos batizados há muito que não participa na Eucaristia. As nossas assembleias estão envelhecidas. Os jovens praticantes são um reduto. Até os mais idosos ficam por casa, na comodidade de assistirem às celebrações pelos meios de comunicação. As vocações consagradas quase desaparecem. Os padres estão sob fogo, alguns desanimados, outros deixam o ministério…

Este terramoto coincidiu com a entrada de um novo Bispo na nossa Diocese. Sem dúvida, uma lufada de esperança. Assim recordamos o impacto da sua entrada a 15 de Janeiro. Contudo, não devemos alimentar a ingenuidade de que agora é que se vai mudar tudo. Nem tudo está mal e não está só nas suas mãos mudar a Igreja dos Açores. Esta mudança dependerá de cada um, ou melhor, de todos em caminho. As VI Jornadas de Teologia serão mais uma oportunidade para conhecermos e refletirmos na nossa História e a partir daí ousar fazer propostas de caminho e pastoral. Desde 1534 que se tem feito tanto e tão bom nestas Ilhas. Podemos aprender com o melhor do passado, porque somos fruto de uma herança da qual nos devemos orgulhar, traduzida na fé de um povo simples, cheio de piedade, que soube construir, entre terramotos e vulcões e com a ajuda dos seus responsáveis, uma história não só de monumentos, mas de comunidades religiosas, paróquias, instituições, associações, confrarias, devoções e arte!

A mudança começa já no agora da Quaresma que iniciamos, tempo de recolhimento, de oração, penitência, mas sobretudo de caridade. Esse é o caminho! Porque “só o amor cobre a multidão dos pecados”. Oportunamente nos convida D. Armando na sua mensagem: «que, em cada paróquia, se fizesse o levantamento possível sobre as famílias que estão em dificuldade e se desse uma ajuda monetária cada mês. Se cada paróquia o fizesse, por exemplo com 2 ou 3 famílias, por iniciativa de pessoas individuais ou com a partilha comunitária, não se chegaria a todos, mas já eram umas centenas de atingidos. Também a Cáritas Diocesana estará disponível e empenhada para complementar esta ajuda. Se as comunidades cristãs souberem ser esta “casa” de acolhimento, de escuta, de partilha, de caminho juntos, perceberão como responder e, caso necessário, encaminharão para os Serviços diocesanos da Cáritas. As famílias necessitadas não deveriam sentir receio em fazer presente as suas necessidades. Hoje são eles, amanhã seremos nós. Que bom seria que cada comunidade tratasse dos seus pobres!».

A Igreja só recuperará a sua credibilidade pelo que for capaz de fazer em favor dos que mais precisam. Só assim será autêntica e fiel à mensagem do Evangelho. Tem de haver espaço e tempo para todos, que se devem envolver neste mandamento do amor. É isto que nos distingue como cristãos e é na caridade que devemos centrar as nossas energias.

Scroll to Top