Estamos no inverno e por isso vivemos naquela estação em que as nuvens ensombram os dias, cada vez mais curtos de sol e de esperança.
Quem vive em ilhas sabe que é assim. Na maior parte do tempo é assim.
O Papa Francisco visitou este sábado um dos maiores arquipélagos do mundo, as Filipinas. Na sua viagem ao país com maior percentagem de católicos em toda Ásia, deslocou-se ao extremo leste das Filipinas para confortar sobreviventes do devastador tufão Haiyan, que atingiu a região em 2013. No entanto, por causa de uma anunciada tempestade, carregada de nuvens, foi obrigado a abreviar a visita regressando a Manila, onde o esperava a maior manifestação de sempre na história de todos os pontificados.
Francisco celebrou uma missa em que participaram seis milhões de filipinos, debaixo de uma chuva caprichosa e persistente. Ninguém arredou pé.
Percebendo os sinais daquela persistência, tal como a dos discípulos, o Papa pediu aos filipinos para serem missionários da fé na Ásia e deixou recados para os que, comportando-se como outros no tempo de Jesus, insistem na corrupção, no conformismo, no desperdício, nas ameaças contra o meio ambiente e “nos ataques insidiosos” contra a família.
Deixou, ainda, uma mensagem para as mulheres, mas sobretudo para os homens, pedindo-lhes que contribuam todos para o fim de uma sociedade “por vezes machista” que não tem em conta o papel da mulher na maternidade, na família, no trabalho e na sociedade, exigindo-lhe sacrifícios impensáveis.
Apesar das núvens e da chuva, Francisco disse o que tinha para dizer. Com verdade, com simplicidade e com a enorme transparência legitimada por um testemunho de vida próxima dos pobres e dos que sofrem.
Neste nosso arquipélago há muita gente a sofrer. E as nuvens próprias do inverno ameaçam estender-se a outras estações. Nada que não estejamos já habituados. Mas, neste tempo de alterações climáticas, há sinais que perduram para além do aceitável.
A vila piscatória de Rabo de Peixe é a localidade dos Açores com mais beneficiários do Rendimento Social de Inserção (RSI), apoiando 2.429 pessoas, o que as autoridades locais atribuem ao aumento do desemprego e diminuição dos rendimentos na pesca.
Dados avançados à Lusa pela Secretaria Regional da Solidariedade Social do Governo Regional indicam que em novembro de 2013 os Açores tinham 17.549 beneficiários de RSI, sendo a terceira região do país com mais beneficiários em termos absolutos.
Dentro dos Açores, São Miguel surge como a ilha com maior número de pessoas que recebem RSI, com 12.750 beneficiários, e o concelho de Ponta Delgada é aquele com mais habitantes a receber RSI (5.206).
Há de ser por pouco tempo. Na ilha Terceira, a confirmação da redução “drástica” do contingente norte americano em 650 militares, e o despedimento anunciado de 500 dos 900 atuais funcionários açorianos, constitui a crónica de uma agonia iniciada há dois anos, insuficientemente mitigada e que nos deixa agora com o mais sombrio dos horizontes.
Basta sairmos à rua, falarmos com as pessoas e facilmente percebemos que, afinal, o sol anunciado está bem coberto de nuvens. Não tem de ser assim. Mas mesmo que assim fosse seria preferível que sentíssemos que não nos estão a empatar, como diz o povo, ou a mentir.
O Papa Francisco teve seis milhões de filipinos e tem milhões a seguirem-no por todo o lado, seja nas redes sociais seja na Praça de São Pedro. Porque não empata.
Uma nota final muito breve para o Charlie Hebdo que regressou ás bancas com mais uma provocação.
A cultura da liberdade e da democracia afere-se pela aceitação do outro na sua diferença política, cultural, religiosa e social, sobretudo quando contradiz o que pensamos e o que somos.
Não subscrevo o fanatismo laicista do Charlie Hebdo, nem me agrada a sua linguagem. Rejeito as dicotomias entre os bons e os maus. Elas obedecem a lógicas totalitárias. Não me compete ajuizar se os assassinados eram santos ou pecadores; basta-me saber que eram seres humanos e, portanto, meus irmãos. E que foram traiçoeiramente assassinados.
Se amanhã alguém metralhar uma sinagoga judia, eu serei, judia. Se um grupo terrorista matar alunos palestinianos numa escola, eu serei palestiniana. É isso que me distingue de um terrorista. Como cristã sou incapaz de matar o meu semelhante só porque discorda de mim. Mas sou capaz de morrer pela liberdade, a minha e a dos outros.