Núncio Apostólico nega envolvimento no alegado encobrimento de casos de abusos sexuais no Chile
O novo núncio apostólico em Portugal, Ivo Scapolo, suspeito de ter encoberto casos de abusos sexuais no Chile, apresentou hoje credenciais ao Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, informou a Presidência.
Scapolo, que exerceu as mesmas funções no Chile, disse em entrevista ao jornal chileno El Mercúrio que nunca encobriu casos de abuso sexual, que recebeu várias vítimas naquele país e que fez “o que era possível”.
A poucos dias de deixar o Chile para assumir o cargo de representante diplomático do Vaticano em Portugal, Ivo Scapolo deu uma entrevista ao jornal chileno “El Mercurio” e que foi divulgada a 14 de outubro pela agência Ecclesia.
“Digo simplesmente que não é verdade. Em consciência, posso afirmar que cumpri até ao fundo o meu dever como representante pontifício e que os meus superiores não deixaram de apreciar o meu trabalho”, disse Ivo Scapolo em resposta à pergunta: “O senhor foi apontado como encobridor. Como responde a isso?”.
O novo representante diplomático em Portugal sucede no cargo em Lisboa a Rino Passigato, que renunciou por limite de idade.
A Igreja Católica chilena foi afetada nos últimos anos por uma crise provocada por casos de abusos sexuais que levaram à renúncia de vários bispos e à intervenção do Papa.
A visita do Papa Francisco ao Chile, em 2018, ficou envolta em polémica com indicações de que o pontífice foi mal informado pelo seu núncio apostólico, bem como pela hierarquia do episcopado católico chileno.
Algumas vítimas de abuso sexual no Chile queixaram-se da falta de apoio do núncio italiano, designado para trabalhar no país no verão de 2011.
Durante a sua viagem ao país, o Papa declarou-se convencido da inocência do bispo Juan Barros, suspeito de ocultar os atos pedófilos do padre Fernando Karadima, e pediu às alegadas vítimas provas da sua culpa.
Mais tarde pediu desculpa por estas declarações afirmando ter sido mal informado e enviou dois investigadores ao país para análise aprofundada do caso.
Depois de ler as conclusões de 2.300 páginas da investigação, que incluía 64 depoimentos recolhidos no Chile e nos Estados Unidos, o pontífice admitiu ter cometido “erros graves” de apreciação e falou de uma “falta de informação”.
Um total de 158 casos de abuso sexual envolvendo 219 membros da Igreja estão a ser investigados no Chile. Das 241 vítimas identificadas, 123 eram menores na altura dos abusos.
Em maio de 2018, todos os bispos chilenos apresentaram a sua renúncia depois de três encontros com o Papa Francisco, no Vaticano.
Após esta crise, o Papa decidiu realizar uma cimeira sobre proteção de crianças e abusos sexuais na Igreja, a 21 a 24 de fevereiro deste ano no Vaticano, convocando os presidentes de todas as conferências episcopais.
Ivo Scapolo garante que recebeu várias pessoas que entregaram o seu testemunho, como vítimas ou denunciantes, que cumpriu o seu dever e que tem a consciência tranquila.
“Lamento que em alguns casos isso não tenha sido possível e que tenha causado sofrimento em algumas pessoas”, disse acrescentando que é função de um núncio ajudar para que se realizem de maneira adequada os procedimentos, ajudando e acompanhando, se necessário, as vítimas ou os denunciantes.
Desde a sua chegada ao Chile em 2011, assegura que tratou de vários casos de abusos, mas com a visita do Papa teve de encarar uma avalanche de denúncias, petições e queixas.
“Penso ter feito o que é humanamente possível para a enfrentar. Tentei agir conforme a verdade, justiça e caridade. Sempre se pode fazer melhor; mas, creia-me, fez-se o que era possível”, frisou admitindo, contudo, que como Igreja, não houve várias vezes coragem de acolher as denúncias e tomar a tempo as devidas medidas.
O arcebispo italiano, que nunca deu uma entrevista enquanto esteve no Chile, concorda com a judicialização dos casos considerando recomendável “que se proceda segundo o ordenamento civil e canónico”.
Ivo Scapolo disse ainda ao jornal chileno que depois de a Igreja ter conhecimentos dos casos aprendeu, através do doloroso relato das vítimas, a ser mais empático, o dever de acompanhar as vítimas, o assegurar procedimentos mais adequados e a trabalhar na prevenção.
Sobre a nunciatura em Portugal, o bispo italiano explica que é um regresso que recebe com agrado, lembrando que já esteve no país como secretário nos fins dos anos 80.
“Como o Chile, também Portugal é um lindo país, com uma gloriosa história e um rico património artístico. Além disso alegra-me saber que poderei visitar de novo o fascinante Santuário de Fátima e os lugares onde viveu Santo António, por quem tenho uma especial devoção”, disse.
Em setembro, a Conferência Episcopal Portuguesa saudou a nomeação do novo núncio apostólico, considerando que viria “certamente com a confiança do Papa Francisco e o aval da República Portuguesa”.
Sem se referir aos casos ocorridos no posto anterior de Scapolo, a CEP disse apenas que “o Conselho confia no seu trabalho entre nós, na linha do que o Papa Francisco tem manifestado”.
Scapolo nasceu em Pádua e foi ordenado sacerdote em 1978, entrando no serviço diplomático em 1984 para exercer funções nas representações pontifícias de Angola, Portugal e Estados Unidos da América.
Como núncio apostólico representou a Santa Sé na Bolívia (2002 – 2008), Ruanda (2008 – 2011) e Chile (2011 – 2019).
(Com Lusa)