Ninguém está obrigado a realizar o impossível

Por Carmo Rodeia

Vivemos o Ano Santo da Misericórdia e iniciámos há quase uma semana a Quaresma.

O tempo favorável é sempre desafiador porque é um tempo em que cada um de nós é chamado a falar de coração para coração, que é o que significa a oração mais intensa.

Neste tempo de preparação para a Páscoa, somos desafiados pela igreja a experimentar três coisas: a oração, o jejum e a caridade ativa.

Estes três instrumentos que nos são propostos exigem de nós um esforço e pressupõem um caminho que nos prepara para o verdadeiro encontro com Deus. Não pensemos, contudo, que se requeira um esforço excessivo ou um caminhar triste e sombrio. Afinal a nossa preparação é para a grande festa, da Páscoa.

Nesta caminhada, tão idêntica aos 40 dias que Jesus passou no deserto, tal como no resto dos dias das nossas vidas, o que nos é pedido é que sejamos nós próprios, que vivamos cada um a singularidade das nossas vidas.

E os maiores pecados que poderemos eventualmente cometer são o da soberba , o da arrogância, da falta de humildade e, sobretudo, a incapacidade para reconhecermos a nossa própria condição de pecadores.

Tudo o que fazemos é marcado pela fragilidade da nossa condição.

“Somos esta coisa humana, provisória, incerta, inacabada, imperfeita. Mas somos também poeira enamorada. Há em nós alguma coisa de maior”, como dizia numa entrevista a propósito da nossa relação com Deus, o Pe Tolentino de Mendonça.

Julgo que qualquer que seja o pecado do mundo Deus estará sempre disponível para perdoar. Também no erro se faz caminho.

Samuel Beckett, a propósito do erro, e referindo-se à nossa condição humana dizia: é preciso errar, errar mais e errar melhor. Termos a consciência da nossa fragilidade é um desafio à nossa capacidade de fazer caminho.

O Papa Francisco tem sido um exemplo desafiador deste caminhar. Veja-se o que ele pediu à igreja neste ano Santo da Misericórdia e, particularmente, neste tempo favorável:  “Que a Quaresma seja um tempo benéfico para podar a falsidade, a mundanidade e a indiferença; para não pensar que tudo vai bem se eu estou bem; para entender que o que conta não é a aprovação, a busca de sucesso ou consenso, mas a limpeza do coração e da vida; para reencontrar a identidade cristã, ou seja, o amor que serve, não o egoísmo que se serve. Coloquemo-nos a caminho juntos, como Igreja, recebendo as Cinzas e mantendo fixo o olhar no Crucifixo. Ele, amando-nos, convida-nos a deixar-nos reconciliar com Deus e a regressar a Ele”, concluiu o Papa.

Percebermos este desafio é iniciar um novo caminho.

Gosto particularmente de uma ideia proferida por Santo Agostinho, nas suas Confissões: “Ama e faz o que quiseres. Se calares, calarás com amor; se gritares, gritarás com amor; se corrigires, corrigirás com amor; se perdoares, perdoarás com amor. Se tiveres o amor enraizado em ti, nenhuma coisa senão o amor serão os teus frutos.”.

A liberdade é sempre o habitat da nossa própria identidade. E só livres podemos ser.

Não se trata da apologia de uma vida sem regras, sem balizas e sem valores. Bem pelo contrário. O que é necessário, como bem sublinha o Papa Francisco,  é “trabalhar em nós mesmos, sobre a nossa humanidade, para que não representemos nunca um obstáculo a uma experiência de perdão e misericórdia”.

É isto que se pede a um cristão. Na Quaresma, no Ano Santo da Misericórdia e sempre.

 

Scroll to Top