Celebrar o natal é abrirmo-nos à contemplação do maior de todos os mistérios que envolve o homem e que se revela na Encarnação de Jesus de Nazaré, o Verbo Eterno de Deus que nasce na natureza humana.
Esta celebração é antecedida de um tempo de Advento que pelo seu próprio significado pretende preparar e orientar a pessoa para viver em plenitude o culminar da sua esperança. Deste modo, as figuras de Isaias, de João Baptista e de Maria de Nazaré que marcam o ritmo do Advento correspondem a realidades históricas e pessoais que devem merecer a nossa atenção e o nosso compromisso.
Na verdade o profeta Isaias insere-se num povo que vive exilado da sua terra, sujeito aos vexames dos povos opressores e que anseia por se encontrar com a liberdade e com a alegria e conforto da sua terra. Será que não vislumbramos algo de semelhante com a nossa cultura e com a nossa sociedade nas quais tantas pessoas sofrem da sua falta de dignidade, de exclusão, de opressão e, sobretudo, vitimas do secularismo agressivo e intolerante, sentem-se exilados da sua comunhão mais profunda com Deus e com os irmãos.
É neste contexto que urge o ressurgir de novos profetas que, a partir de uma séria experiência de Deus, projectem sobre a sociedade e a cultura de hoje, a verdadeira esperança que anuncia que Deus continua a Encarnar no Seu Filho, o Verbo Eterno de Deus que se faz um de nós.
Focando o nosso olhar em João Baptista, sentimos a interpelação de um homem recto, de personalidade plasmada pelos verdadeiros valores, firme nas suas convicções, moldado pela experiência de Deus e que anuncia a presença de Jesus Cristo no meio de uma sociedade que se aliena no paganismo e se diverte no jogo das palavras e das acções que alimentam as paixões momentâneas mas que escravizam o ser humano. Realmente Jesus Cristo está no meio deste mundo propondo-se construir o Reino de Deus através de todos os homens e mulheres de boa vontade e sedentos de verdade, de justiça, de amor e de paz.
Mas a singularidade da nossa experiência cristã nesta época de Natal tem de contar com a presença de Maria de Nazaré. Mulher comprometida de modo único com a Encarnação do Verbo Eterno de Deus. Não poderá haver maior proximidade ao mistério de Deus e à Sua revelação do que ser a Mãe de Deus.
Ela continua hoje na Comunidade crente dos discípulos de Jesus Cristo e permanece firme junto ao Seu Filho no percurso da história para nos acolher e nos indicar o caminho para um compromisso na comunhão de vida com aquele que nasce tão simples e pobre em Belém e quer continuar a revelar-se como presença amorosa junta da humanidade.
Mas somos fortemente interpelados pelas figuras que envolvem a cena do nascimento de Jesus de Nazaré, na qual se destacam os pobres pastores e os magos estrangeiros. Ambos, escutando a voz e decifrando os sinais que lhes vêm de Deus, percorrem o caminho que leva a sua vida até junto do presépio.
Deparamo-nos, deste modo, com a oferta de libertação que os pobres tanto anseiam, mas também com a resposta que a ciência e a razão humana procuram. Ele é verdadeiramente «o caminho, a verdade e a vida» e ninguém chegará à experiência da libertação autêntica e à verdade total senão através de Jesus de Nazaré que nasce na nossa humanidade.
Este duplo desafio continua hoje e é alimentado na celebração do natal. No contexto da cultura actual, exige-se dos discipulos de Jesus Cristo, isto é, dos cristãos, que ofereçam com gestos concretos a proposta libertadora a todos os excluídos e pobres que anseiam pela redenção das suas vidas; e terão de ser, através do seu testemunho, sinais de Deus a orientar a inteligência humana para descobrir Aquele que é a resposta a todas as perguntas que a razão humana coloca sobre o sentido da vida e sobre a condição do homem no contexto do mundo actual.
A todos os diocesanos de Angra, que vivem no território dos Açores e os que vivem na diáspora, a todos os que sofrem e são excluídos e que anseiam pela dignidade humana e a todos os que se inquietam pela busca da verdade exorto a percorrer os caminhos que levam até ao presépio e imploro do Menino Deus que a todos abençoe. Faço votos de um santo e feliz Natal.
+João Lavrador, Bispo de Angra e Ilhas dos Açores