Por Renato Moura
O Conselho Fiscal (CF) de uma Santa Casa da Misericórdia (SCM), empossado em 2011, emitiu Relatório e Parecer (RP) sobre a gerência de 2010 e expôs muitas irregularidades imputáveis à Mesa Administrativa; e lembrou à Assembleia Geral o poder de demandar os Corpos Gerentes pelos actos praticados: esta apreciou e calou!
O RP do CF serviu de base a uma participação do Governo Regional para o poder judicial. Correu na Polícia Judiciária e o Ministério Público deduziu acusação ao Provedor que terminara em fim de 2010 funções iniciadas em 2003, imputando-lhe a prática de crimes de peculato (pena de prisão de 1 a 8 anos). No dia 18.05.2020 foi publicado o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 3/2020, considerando que o conceito de organismo de utilidade pública não abarca as instituições particulares de solidariedade social e assim, no início do julgamento (Set/2020), já não se aplicaria ao arguido o crime de peculato.
O Tribunal acabou provando que o então Provedor transferiu 8.000 euros de uma conta da SCM para uma conta do próprio e de sua esposa: que agiu de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que a mesma não lhe pertencia, não lhe era devida e que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal. O arguido apropriara-se ilegitimamente do valor referido em 2008, o qual só viria a restituir em 2011 e poucos dias antes da assinatura do RP do CF que dava conta da irregularidade. O Tribunal condenou o arguido pela prática de crime de abuso de confiança agravado.
Provou-se ainda que o arguido ordenou que a SCM pagasse uma ligação à internet instalada na sua morada e utilizada pela empresa de que era sócio, durante cinco anos. O Tribunal condenou o arguido a indemnizar a SCM pelos valores apropriados e nunca devolvidos.
Evidente: o RP do CF foi credível e fundamental para a descoberta da verdade; a justiça é lenta (mais de nove anos até ao julgamento); antes tarde do que nunca, pois actuou e condenou (apesar da limitação do referido Acórdão).
Não importa citar quem foi o condenado, nem opinar sobre a graduação da pena.
Este e outros escritos têm o objectivo de ajudar a defender princípios e valores morais: a SCM não fez, ao longo dos anos quanto devia no seu âmbito, nem depois nos tribunais; todos os órgãos sociais têm poderes e devem cumprir os deveres; nenhum dirigente merece confiança ilimitada e posse de credenciais bancárias de outros; quem trabalha gratuitamente nas IPSS, nem por mérito acumulado se pode fazer pagar ilegalmente.
Ficou provado: não passa tudo, nem vale tudo.